Elmord's Magic Valley

Computers, languages, and computer languages. Às vezes em Português, sometimes in English.

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Learn Not Not to Speak Esperanto

2013-07-06 23:18 -0300. Tags: lang, conlang, esperanto, em-portugues

Caros seres,

Por falta de coisa melhor para fazer com a minha vida, resolvi fazer algo que eu queria fazer há uns sete anos e escrever uma crítica a uma famosa crítica ao esperanto chamada Learn Not to Speak Esperanto.

Ainda não revisei o texto direito, e o HTML ainda está meio capenga. Quaisquer erros (fora o HTML) e sugestões podem ser reportados nos comentários deste post. Por precaução, gostaria que me dessem uma semana para revisar o texto antes de divulgarem links por aí. Feedback é bem-vindo.

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Quenya

2013-03-26 21:11 -0300. Tags: lang, conlang, book, ramble, about, em-portugues

Nos últimos tempos eu andei não postando tanto quanto eu gostaria (o que evidentemente me torna um impostor). Isso se deve em parte porque eu queria escrever posts decentemente coesos e coerentes. Por um lado eu estava meio indeciso sobre se fazia sentido falar de certas coisas em um único post ou se deveria abordá-las separadamente, entre outras questões organizacionais. Por outro lado, eu não andava com nenhum ânimo de escrever posts coerentes.

Well, no more µµµ. Para os próximos posts, e sabe-se lá mais quantos, eu abnego qualquer pretensão a coerência. Para me sentir um pouco melhor (não que isso seja de qualquer benefício ao leitor), vou começar a taggear esse tipo de post (que não é nenhuma novidade por aqui, mas eu tento me iludir de que eles são menos comuns) com a tag ramble. Por sinal, dada a inconsistência no uso de tags nesse blog ao longo do tempo, tem uma dúzia de posts que eu vou ter que taggear retroativamente. But I digress.

Anyway.

Durante as férias, eu resolvi finalmente pegar o Senhor dos Anéis para ler. O motivo por trás disso era primariamente poder desprezar a obra do Tolkien com conhecimento de causa. You see, por motivos mui pessoais e largamente ilógicos eu me via obrigado a ter um mínimo de respeito pela obra literária do Tolkien enquanto não a lesse. Por outro lado, eu tinha cá com os meus botões que o Senhor dos Anéis não valia grande coisa; tanto quanto eu sabia da história, a parte não-maçante era a parte que tinha sido copiada da mitologia nórdica.

Anyway, eu peguei o troço para ler. O livro (e não me diga que são três livros; isso foi idéia da editora) começa com um prólogo explicando o background da história para quem não leu o Hobbit, do qual o LotR originalmente era continuação. O prólogo descreve mui detalhadamente a vida dos Hobbits, tão detalhadamente que eu resolvi dar um fast forward para o fim do capítulo, tão-somente para descobrir que aquele era apenas o primeiro capítulo do prólogo, o qual consiste de nada menos do que quatro capítulos (ou seções, como preferir; eles não são tão longos) numerados e um não-numerado. Diante desta chocante observação, eu larguei o livro de mão e fui ler o Don Quixote (coisa que há de levar um bocado de tempo ainda, já que estou lendo em espanhol, língua na qual eu não estou acostumado a ler naturalmente, e a isso se soma o detalhe de que o vocabulário usado é um tanto quanto arcaico, fora que eu não estou lendo com particular constância; but I digress).

Isso foi há um mês e um tanto. Ontem eu resolvi pegar o LotR de novo (por razões que serão esclarecidas até o fim do post), mas dessa vez eu tomei a sábia decisão de pular inteiramente o prólogo. Eu ia começar a ler a história propriamente dita, e se a coisa continuasse igualmente enfadonha, eu ia largar esse livro de mão de vez, e me contentar em zombar da obra literária do Tolkien sem conhecimento de causa mesmo. Caso contrário, eu seguiria lendo e poderia mui informadamente escrever um post aqui dizendo o quanto eu desgostei da história, e sumiria com esse peso da minha consciência.

Em um golpe fatal contra meu rico e respeitável plano, os dois capítulos que eu li até agora foram surpreendentemente agradáveis.

E é isso. Esse livro provavelmente é digno da fama que tem, e se no fim das contas a história for ruim, pelo menos haverei de conceder que o camarada Tolkien escreve muito bem. Dois capítulos é muito pouco para afirmar qualquer coisa, mas enfim. Em qualquer caso, ler esse livro vai servir para ler The Last Ringbearer depois, uma obra que me parece altamente respeitável.

Mas não é sobre nada disso que eu vim falar originalmente, como o título do post pode sugerir. O que eu vim falar é sobre a obra do Tolkien como conlanger, e esta sim eu sempre admirei. (Famosamente (ou nem tanto), uma vez o Tolkien disse que "The ‘stories’ were made rather to provide a world for the languages than the reverse".) Ontem eu caí por acaso nesta página (procurando por "no word for if" no Google (pois estava eu experimentando com a gramática da minha conlang antes de ir dormir, e estava eu meditando sobre como criar orações condicionais sem uma palavra para "se", e resolvi pesquisar no Google se havia alguma língua que fizesse as coisas mais ou menos como eu tinha em mente, e que outras possibilidades havia para se construir condicionais sem "se" (sim, eu tenho uma conlang, que esteve semi-abandonada pelos últimos cinco anos (but I digress)))), e me chamou a atenção como as frases em Quenya (lê-se "qüênia", não "kênia") soam "naturalmente bonitas". Esse não é meu primeiro contato com Quenya, mas até então, for most part, eu só tinha visto frases criadas pelo próprio Tolkien, em um contexto artístico, e aí é de se esperar que as frases tenham sido cuidadosamente construídas para soarem bem. Mas aí está uma dúzia de frases compostas por uma pessoa não necessariamente preocupada com a beleza poética da tradução de "estou dormindo, deixe sua mensagem ou ligue para XXX" em Quenya, e as frases soam surpreendentemente bem (pelo menos para mim). (Eu ia gravar um ogg com a pronúncia de algumas das frases, mas me parece que os leitores não hão de estar particularmente interessados em ouvir minha bela voz proferindo sentenças aleatórias, e ao invés disso deixo-vos com El Hombre Tolkien Himself recitando uma versão pré-LotR do poema Namárië.)

E foi depois de cair nessa página que eu resolvi tentar retomar a leitura do LotR, e assim, li os acima referidos dois capítulos antes de ir dormir, o que conclui esta mui coesa história contada in media res.

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Earth Language

2012-08-18 20:45 -0300. Tags: lang, conlang, em-portugues

Uma IAL que eu nunca vejo mencionarem em discussões sobre IALs é a Earth Language. De fato, não sei como eu cheguei a conhecer essa coisa. Earth Language (EL) é um projeto peculiar no mundo das IALs: a língua é baseada primariamente em ideogramas visuais, ao invés de palavras vocais. A inspiração da autora vem dos ideogramas chineses, que são compreensíveis por falantes de diversas línguas, tais como mandarim, cantonês, wu e demais línguas chinesas, bem como falantes de japonês e, historicamente, coreano e vietnamita, além de serem mais estáveis ao longo dos séculos do que palavras vocais. Os ideogramas da EL, porém, são mais sistematizados: o sistema consiste de 91 símbolos base, que podem ser compostos por sobreposição.

O seguinte GIFzinho animado (roubado do site da língua) dá uma idéia do funcionamento do sistema:

[Animação demonstrando a composição de caracteres em Earth Language]
Por Tutatis, pare esse maldito GIF

Como se pode ver pelo exemplo acima, em alguns casos (e.g., sol = círculo + aberto) uma combinação de símbolos é usada mais por sua imagem gráfica do que pela composição dos significados. Não há limite quanto ao número de símbolos que podem ser sobrepostos, mas para manter a legibilidade, também é possível unir símbolos (ou grupos de símbolos sobrepostos) por um hífen, ao invés de sobrepô-los.

Para formar frases completas, alguns símbolos gramaticais são usados. Por exemplo, há um símbolo que indica que o próximo ideograma é um verbo transitivo. Esse símbolo pode ser composto com o símbolo de "esquerda/antes", por exemplo, para indicar o tempo passado, e de maneira análoga para outros tempos e modos verbais. Há outros símbolos que indicam sujeito, objeto e outras relações gramáticais, de modo a permitir uma ordem livre dos elementos da frase. A idéia é que o "falante" possa escrever a frase na ordem em que escreveria em sua língua nativa, ou da maneira que lhe for mais natural. (Por outro lado, a língua impõe uma ordem modificador-precede-modificado, de modo que adjetivos vêm sempre antes de substantivos. De fato, até orações subordinadas (e.g., o homem que eu vi) devem vir antes do substantivo que modificam.)

Além da forma escrita, a língua oferece outros métodos de utilização. Um dos métodos bastante enfatizados no site da língua é uma linguagem de sinais, com gestos baseados nas formas de cada um dos 91 símbolos. Os gestos podem ser feitos tanto através da forma da mão quanto através de movimentos no ar desenhando o símbolo. Assim, com duas mãos é possível representar até quatro símbolos ao mesmo tempo (duas formas e dois movimentos), permitindo gesticular caracteres compostos, para valores adequados de coordenação motora.

Também há uma forma vocal, mas essa é considerada uma forma secundária de comunicação pela autora. Ao invés disso, ela propõe que cada pessoa fale em sua própria língua nativa, e utilize-se dos gestos para transmitir o significado para o ouvinte que não compreende a língua. Um dos argumentos para tal é evitar a substituição das línguas locais pela língua mundial. A cada símbolo é atribuído um som silábico; caracteres compostos são pronunciados utilizando uma sílaba [nə] para ligar cada componente. A ordem dos componentes não importa, já que as sílabas representam o caractere composto por sobreposição, no qual não há ordem para os símbolos.

O site da língua é totalmente caótico um tanto quanto desorganizado, e ainda mantém a cara de página feita em 1996, embora ainda seja mantido. Os textos também contêm uma dose de falta de noção, incorporando uma versão extrema da hipótese de Sapir-Whorf, com afirmações mal-fundamentadas sobre a estrutura das línguas em questão (negrito e sublinhado no original):

In the areas where people had lived in the same simple way for thousands years until recently,
their languages must be simple too. [Defina simples, camarada. Inuktitut é simples? Ubykh?]
The system of Japanese language raised by long-term inhabitants in the small islands
far from other places with four seasons have been raised for calling sympathy and harmony
more than working for logical insistences. [O que não impediu os japoneses de dominarem boa parte da Ásia no começo do século 20.]

The people with English had repeatedly been colonists in their history;
also have often been pioneers in science and technology.
Why could this be possible?
The main reason is that the thinking ways of the English language have supported them:
English has loosely accepted foreign words into it,
taking priority for efficiency to win/enjoy immediate things;
also the grammar is for insisting one line logic [huh?],
usually making clear the subject and its object in a sentence.
Some fundamental English words also have changed/widened the definition [como basicamente qualquer língua humana]
showing the competitive thought and efficiency.
[Também é a língua com a qual surgiu o movimento hippie.]

E mais adiante:

Don’t you feel scared that the entire world will be molded in the English way?
Don’t you want coexistence of lively cultural blossoms,
as nature makes various flowers, circulating diverse lives in each land?

What do you think about stopping/shortening arms races that use a lot of natural resources,
destroying environment and inflaming fears and fights?
Instead, how about having the new container of global thoughts for advancing cooperation,
coexistence and harmony
, without destroying nature; also for lightening up the future with hope,
helping individual creations and environmental protection?

I named Earth Language (EL) for this container: a new communication tool for the global world.
[...]
EL is going to make the world peaceful and round rather earlier than just exclaiming
opposition to war/nuclear power/environmental pollutions,
because it leads the users to think along continuous nature.

Sandices à parte, o projeto é interessante, e a língua parece bastante completa (embora o dicionário não seja de navegação muito agradável).

Comentários / Comments

Desexcelências do esperanto

2012-05-25 04:11 -0300. Tags: lang, conlang, esperanto, em-portugues

EDIT: Não sei como este post veio ao conhecimento de tanta gente. Os comentaristas podem se dar ao trabalho de ler o post original linkado no começo deste antes de dizer que "quando eu falar o esperanto" minhas críticas desaparecerão. Não é a mim que os esperantistas têm que convencer, é aos potenciais aprendizes da língua. No outro post eu argumentei em favor do esperanto, e só escrevi este post a pedidos. Respondi alguns dos comentários abaixo. Tenho um grande respeito pelo movimento esperantista, ainda que não seja mais ativo no movimento. Não me decepcionem, galera. Obrigado.

EDIT': Follow-up aqui.

EDIT'': Dada a tendência das pessoas a não ler os textos linkados antes de comentar e dada a incomodação que esse texto (que teve uma divulgação muito maior do que deveria) tem me causado, não é mais possível linkar este post a partir de outras páginas; a URL redireciona para lugares aleatórios. Por ora não vou desabilitar comentários, pois acho importante que os leitores possam dar sua opinião, mas vou simplesmente apagar comentários de gente que demonstre que não leu o post original antes de comentar (coisa que pelos logs de acesso do blog vi que pouquíssimos fizeram).

A pedidos, complemento o post sobre o esperanto com um resumo das críticas de natureza lingüística mais comuns feitas à língua.

Críticas freqüentes

Alfabeto e pronúncia

O esperanto usa um alfabeto de 28 letras: as letras q, w, x, y não são usadas, mas o alfabeto conta com seis letras acentuadas extra:

O objetivo dessas letras são dois: manter o princípio de uma letra para cada fonema da língua, e manter a grafia das palavras razoavelmente próxima da língua de onde a palavra saiu. A letra ĥ (e seu respectivo som) está em vias de extinção, tendo sido gradativamente substituída por k ao longo da evolução da língua (e.g., meĥanikomekaniko mecânica). Objetivos nobres ou não, o alfabeto é freqüente alvo de crítica, particularmente devido à dificuldade de digitá-lo. Antigamente visualisar texto em esperanto costumava ser um problema, mas com o suporte nativo a Unicode dos sistemas modernos esse problema praticamente não existe mais. Digitar ainda é um problema, embora sistemas GNU/Linux modernos normalmente aceitem, por exemplo, ^ + c para produzir ĉ. (O ŭ fica mais escondido: AltGr-Shift-9 produz o ˘.)

Outro alvo de crítica é o c, que tem som de ts, como é comum entre as línguas eslavas. A idéia por trás disso é manter a grafia das palavras próxima à das línguas de origem (cirklo "tsírklo", círculo) e ao mesmo tempo atribuir um som distinto a cada letra (o que exige dar um som ao c que seja distinto dos sons das letras s e k). Se por um lado isso produz palavras que têm uma aparência familiar, por outro lado produz maravilhas como pico ("pítso", pizza) e cunamo ("tsunámo", tsunami).

Milhares de ortografias diferentes já foram propostas. O aspecto do resultado não agrada muito aos olhos, e torna as palavras menos reconhecíveis. Um ponto interessante que já vi mencionarem é que o problema real não são as letras extra do alfabeto, e sim que o esperanto tem sons demais: eliminando os sons das letras extra, elimina-se as letras e a dificuldade que alguns possam ter de pronunciá-las. (Vale notar que os sons correspondentes às letras acentuadas não existem em latim, com exceção do ŭ.)

O acusativo

Muita, mas muita gente reclama da marca obrigatória do caso acusativo, que indica o objeto direto da frase, pela terminação -n. Um bocado de línguas marcam o acusativo (e.g., alemão, japonês, russo, finlandês), mas um outro bocado não marca (e.g., inglês, português, norueguês, chinês) [Edit: exceto vestigialmente em alguns pronomes, no caso das línguas indo-européias, como citado no post anterior]. Não tenho números, mas desconfio que a coisa fique 50-50*. A existência do acusativo é a principal fonte de guerras santas em fóruns esperantistas. É uma questão de gosto, no final das contas. O fato é que se não houvesse marca de acusativo em esperanto, provavelmente ninguém daria falta.

Um problema derivado é que a marca de acusativo não interage bem com nomes não-esperantizados que não terminam em vogais. Diz o Plena Manlibro de Esperanta Gramatiko que nesse caso pode-se usar o nome sem o -n, mas não creio que isso seja consenso; as regras originais da língua não se manifestam nesse sentido. Outra solução comum é adicionar -on ao final da palavra, incluindo a terminação de substantivo junto com a marca de caso (mi vizitis Liverpool-on "eu visitei Liverpool"), ou esperantizar o nome (mi vizitis Liverpulon).

Gender neutrality

O esperanto possui um sufixo para derivar o feminino de uma palavra (-in), mas não possui um sufixo equivalente para indicar o masculino. Tradicionalmente, boa parte (a maior parte?) das palavras que se referem a seres humanos eram tomadas como masculinas por padrão (similar ao que ocorre em português); hoje em dia o consenso é de que a maior parte dessas palavras são neutras (e.g., doktoro, sem maiores qualificações, pode ser um doutor de qualquer sexo); para outras palavras, não há consenso (e.g., amiko "amigo (ou amiga (ou não))"). De qualquer forma, é possível criar uma palavra feminina correspondente a partir dessas palavras neutras (doktorino), mas não há um equivalente para o masculino. Além disso, algumas palavras são inerentemente masculinas (e.g., patro "pai", da qual se deriva patrino "mãe", mas não há uma palavra diretamente equivalente ao "parent" do inglês, embora ocasionalmente se proponha genitoro, ou generinto (o particípio passado ativo de generi "gerar", i.e., "aquele que gerou")).

O esperanto possui um prefixo, ge-, que indica grupos de ambos os sexos: gepatroj significa "pais (e mães)". ge-, entretanto, implica a presença de ambos os sexos (gepatroj não é aplicável a um grupo de apenas homens ou apenas mulheres). Por esse motivo, tradicionalmente não se admite ge- com palavras no singular, embora ocasionalmente se veja gepatro como "parent".

Inúmeras vezes já se propôs o sufixo -iĉ como o masculino de -in (por analogia aos sufixos -ĉj e -nj, que formam apelidos de nomes masculinos e femininos, respectivamente), mas a adoção não é muito forte. A principal vantagem de se ter um sufixo especializado para o masculino é que sua presença em tese empurraria as palavras dubiamente neutras para totalmente neutras (i.e., amiko passaria definitivamente a servir para ambos os sexos, e amikiĉo e amikino seriam as formas gendered). Tenho que admitir, entretanto, que para mim (e provavelmente para muitos) o -iĉo soa horrível.

Essa para mim é a fatal flaw do esperanto. Ela é mais grave do que os outros problemas porque é um problema inerente à língua; não é algo que desaparece à medida em que se adquire fluência.

Uma crítica comum é que o esperanto não tem um pronome neutro de terceira pessoa. O problema aí são os falantes, não a língua: o esperanto sempre teve o pronome ĝi, que supostamente deveria servir como pronome neutro, mas que comumente, por analogia ao it do inglês, não se costuma usar para pessoas. (Já encontrei mil vezes a afirmação de que o próprio Zamenhof recomendava o uso de ĝi como pronome neutro para pessoas, mas nunca com citação de referência. [Edit: Jen via referenco. Dankon, Marcus Aurelius!])

Críticas menos freqüentes

Nomes dos países e seus habitantes

Em esperanto há duas classes de nomes de países e correspondentes gentílicos:

Segundo o Plena Manlibro (traduzido), "Zamenhof e outros falavam sobre uma distinção entre o velho mundo, onde os países pertencem a um povo particular, e o novo mundo, onde todos os povos são iguais. Isso foi mera teoria, que nunca se realizou na língua." So much para uma língua que pretende promover a igualdade entre os povos. Essa é a lesser fatal flaw, para mim, mas essa é fácil de corrigir, sem alterar a língua: basta não usar os nomes dos povos (e.g., hispano), e derivar o gentílico sempre a partir do nome do país (Hispaniohispaniano). Todos comemora.

Conclusão

No geral, como disse no outro post, o esperanto é uma língua muito bem feita, mais lógica e (conseqüentemente) mais fácil de aprender do que uma língua natural típica, e creio que esteja melhor que a concorrência (as outras IALs) nesse sentido. O sistema de derivação, em particular, mata a pau todo o mundo (até o Lojban, a famosa língua lógica). Porém, a língua possui seus problemas, alguns mais sérios que outros, o que atrapalha sua adoção. De qualquer forma, acho que vale a pena aprender a língua, nem que seja apenas pela boa noção de gramática que ela oferece e para ler a Neciklopedio. (Aos seres que ocasionalmente criticam o esperanto de ser "uma língua sem cultura" (o que da minha parte não seria defeito), favor ler os artigos da Neciklopedio sobre o movimento esperantista. Obrigado.)

* O 50-50 refere-se a marcar morfologicamente o sujeito e o objeto de maneira distinta. Nem toda língua que o faz usa o nominativo para o sujeito e o acusativo para o objeto. Algumas marcam o sujeito de um verbo intransitivo (sem objeto) com o mesmo caso do objeto de um verbo transitivo (são as chamadas ergativo-absolutivas). Algumas marcam o sujeito de um verbo intransitivo com um caso ou outro, dependendo de se o sujeito é o agente ou o paciente da ação (são as chamadas ativo-estativas). Algumas são nominativo-acusativas para a primeira e segunda pessoa e ergativo-absolutivas para a terceira. Algumas são ainda mais atípicas. Línguas são um negócio muito legal, se vocês querem saber.

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Esperanto?

2012-05-16 20:16 -0300. Tags: lang, conlang, esperanto, em-portugues

O esperanto é uma língua criada no século 19 por um camarada chamado Zamenhof. A idéia do esperanto é ser uma língua regular, fácil de aprender e neutra (não pertencente a um povo específico), para servir como uma segunda língua comum a todo o mundo. A primeira publicação sobre a língua veio ao mundo em 1887, e o primeiro congresso internacional ocorreu em 1905. Estimativas do número de falantes atualmente variam de 100 mil a 2 milhões. Por qualquer estimativa, é a IAL mais falada hoje. O vocabulário da língua é baseado primariamente nas línguas latinas, com algumas contribuições germânicas e eslavas.

No Brasil, o movimento espírita é o principal difusor do esperanto, e foi por meio de parentes espíritas e suas relações transitivas que tomei conhecimento da língua. (A ligação com o espiritismo é meramente incidental, entretanto.) Quando tinha uns treze anos, fiquei curioso sobre a língua e resolvi pesquisar nas Internets a respeito. Encontrei um portal de cursos online muito bom, e comecei a aprender a língua por lá. Em cerca de seis meses, estava falando a língua competentemente. Quando tinha uns 14 ou 15 anos, fui convidado a participar do Verda Kafo, um evento esperantista que ocorre todo mês em Porto Alegre. Comecei a comparecer no Verda Kafo regularmente. Participei de alguns eventos promovidos pela Associação Gaúcha de Esperanto. Tentei dar um curso de esperanto no colégio, que contou com uns três participantes e não passou da terceira aula. Todos comemora.

Em 2008, problemas pessoais me levaram a me isolar um pouco (mais) do mundo e perder um pouco (mais) da minha esperança na humanidade. Deixei de ir ao Verda Kafo e outros eventos. Longe do movimento esperantista, lancei sobre o esperanto um olhar mais crítico, difícil de se ter quando se está contagiado pela euforia do movimento esperantista, rodeado de um bando de gente com ideais semelhantes aos seus. O esperanto, no geral, é uma língua muito bem feita, mas possui diversos "pequenos probleminhas" que contribuem para a aversão à lingua e a desistência de potenciais falantes. Qualquer pequeno probleminha é desculpa suficiente para não se aprender a língua, que, ademais, é "uma língua que ninguém fala". (O fato de que ela deixaria de ser uma língua que "ninguém" fala se mais pessoas a aprendessem é irrelevante. Ninguém tem tanto tempo livre para resolver o problema da comunicação internacional. (O fato de que é mais rápido aprender esperanto do que inglês também é irrelevante. O inglês, ademais, é "uma língua que todo o mundo fala".))

Da minha parte, eu me daria por satisfeito se houvesse alguma língua universal, fosse ela esperanto, inglês, latim ou sumério. No entanto, tenho contato com o inglês desde pequeno, e leio mais em inglês do que em português há uns seis anos, e mesmo assim nunca deixo de me surpreender com palavras e expressões idiomáticas novas nessa língua. Creio que o número de falantes fluentes de inglês no mundo deixe a desejar no quesito "universal", e creio que qualquer língua natural enfrentaria as mesmas dificuldades. Uma língua artificial construída sistematicamente com o intuito de servir à comunicação internacional me parece uma solução mais apropriada ao problema, e neste mundo o esperanto é a IAL com maiores chances de atingir adoção mundial, mesmo com seus pequenos problemas. Sinceramente não sei se um dia ele chega lá, entretanto. ("Se um dia o mundo chega lá" expressa melhor o alvo da minha descrença.)

Mas mesmo que o esperanto nunca venha a servir como língua universal, há pelo menos um bom motivo para aprender a língua: aprender esperanto ajuda a aprender outras línguas posteriormente: estudando esperanto, você será exposto a diversos conceitos gramaticais realizados de maneira regular, o que lhe ajudará a entender melhor esses conceitos. Em um experimento com estudantes de ensino médio na Europa, verificou-se que um grupo que estudou esperanto por um ano e francês por três terminou com um domínio melhor do francês do que um grupo que estudou francês durante os quatro anos. Aliás, se o esperanto tem alguma chance de se tornar uma língua universal, essa me parece uma das melhores estratégias de atingir esse objetivo: promove-se o esperanto como um meio de facilitar o aprendizado de outras línguas. Milhares de pessoas aprendem a língua dessa maneira, e então seguem aprendendo inglês e as outras línguas estrangeiras que pretendam aprender. A base de falantes de esperanto cresce, e de repente o mundo se dá conta de que uma boa porção da população mundial possui o esperanto como língua comum. Mais pessoas aprendem esperanto, as vantagens do esperanto como língua universal começam a se tornar evidentes, e finalmente a língua ganha adoção mundial oficial. Todos comemora.

E qual é que é dessa língua?

Apresentar-vos-ei uma introdução ao esperanto por meio de alguns exemplos.

La alta knabino legas malnovan libron atente.
La álta knabíno lêgas malnôvan líbron atênte.
A menina alta lê um livro velho atentamente.

La: é o artigo definido. Ele não flexiona, i.e., não há formas separadas para singular/plural, masculino/feminino, etc.; la = o, a, os, as.

alt-a: todo adjetivo em esperanto termina em -a. Adjetivos não possuem gênero (formas separadas para masculino/feminino).

knab-in-o: todo substantivo em esperanto termina em -o. knab- é um radical que significa "menino". -in- é um sufixo que deriva o feminino a partir de uma palavra masculina ou neutra.

leg-as: há seis tempos/modos verbais em esperanto:
presenteleg-as
passadoleg-islia, leu
futuroleg-oslerá
condicionalleg-usleria, lesse
volitivoleg-uleia
infinitivoleg-iler

Verbos não conjugam por pessoa: mi legas (eu leio), vi legas (você lê), ni legas (nós lemos), etc.

mal-nov-a-n: mal- é um prefixo que deriva o oposto de uma palavra; nova novo → malnova velho. A idéia por trás disso é reduzir o número de radicais que se tem que aprender para usar a língua. O -n é a marca do caso acusativo, que indica o objeto direto da frase. Em português, substantivos não têm marca de caso, mas alguns pronomes têm: em Ela me viu, me é o acusativo de eu. Em esperanto, assim como em latim e muitas outras línguas, substantivos, adjetivos e pronomes recebem a marca de caso. (Diferentemente do latim, só há dois casos em esperanto: o nominativo (sem -n) e o acusativo (com -n).) A marca de acusativo traz duas vantagens à língua:

libr-o-n: livro, no acusativo.

Vale notar que o "um" que aparece na tradução não consta no original; a ausência de artigo ou algo que o valha é suficiente para indicar indefinição: la knabino legas (a menina lê) vs. knabino legas (uma menina lê).

atent-e: trocando-se o -a final de um adjetivo por -e, deriva-se o advérbio correspondente: atenta (atento) → atente (atentamente).

Ŝiaj okuloj avide trakuras la paĝojn.
shíai okúloi avíde trakúras la pádjoin.
Seus olhos percorrem avidamente as páginas.

ŝi-a-j: O plural em esperanto é indicado por -j (que se pronuncia i, como semivogal). Ŝi significa "ela"; ŝi-a é o pronome possessivo correspondente (seu, dela); ŝi-a-j é o plural (seus).

okul-o-j: olhos, no plural.

tra-kur-i: percorrer: tra (através) + kuri (correr); "correr através de".

paĝ-o-j-n: páginas, no plural e no acusativo.

Afiksoj

Já mencionei o mal-, prefixo que deriva o oposto de uma palavra. O esperanto possui um sistema de derivação bastante completo que permite criar muitas palavras a partir de poucos radicais. Por exemplo:

Isso reduz bastante o número de palavras que se precisa aprender para usar a língua. Como os mecanismos de derivação são largamente regulares, freqüentemente compreende-se uma palavra nunca vista antes imediatamente. É comum criar palavras novas enquanto se está falando/escrevendo, e normalmente a palavra será prontamente compreendida pelo ouvinte/leitor.

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