Elmord's Magic Valley

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Tour de Scheme, parte 2: Listas, atribuição, e uma agenda de telefones

2016-04-14 20:43 -0300. Tags: comp, prog, lisp, scheme, tour-de-scheme, em-portugues

[Este post é parte de uma série sobre Scheme.]

Saudações, camaradas! Neste episódio, abordaremos um dos principais (se não o principal) tipos de dados de Scheme: a lista. Também vamos ver como fazer atribuição a uma variável, mexer um pouquinho assim com arquivos, e escrever um rico programa de agenda de contatos.

[Screenshot do programa de agenda de contatos]
The Ultimate In Contact Management™

Este post meio que assume que você nunca trabalhou ou já esqueceu como trabalhar com listas em Scheme. Se você já está acostumado com manipulação de listas em linguagens funcionais, muito do que é dito aqui não vai ser novidade. Sugestões de melhorias no texto e comentários no geral são bem-vindos.

Como de costume, eu vou usar o Chicken para rodar os exemplos. Você pode acompanhar os exemplos usando o DrRacket ao invés do Chicken, se preferir, mas para isso você deverá abrir a janela "Choose Language" (Ctrl+L), escolher "The Racket Language", clicar no botão "Show Details", e mudar o Output Style para "write" ao invés de "print".

Pares

Vamos começar por um tipo de dados mais fundamental: o par. Um par é, como o nome sugere, um par ordenado de dois valores quaisquer. O par é o tipo de dados composto mais antigo da família Lisp, e por esse motivo as funções de manipulação de pares possuem uma terminologia meio peculiar vinda diretamente de 1958. Pares são construídos pela função cons:

#;1> (cons 1 2)
(1 . 2)
#;2> (cons 42 'foo)
(42 . foo)

Por esse motivo, pares também são conhecidos como células cons (cons cells).

Uma vez criado, podemos extrair os pedaços de um par com as funções car (que extrai o item do lado esquerdo do par) e cdr (que extrai o item do lado direito):

#;1> (define p (cons 23 42))
#;2> p
(23 . 42)
#;3> (car p)
23
#;4> (cdr p)
42

[Os nomes car e cdr vêm do fato de que o Lisp original rodava numa máquina (o IBM 704) em que os registradores podiam ser separados em uma porção de "endereço" e uma porção de "decremento". As funções de extração dos elementos de um par em Lisp eram implementadas usando essa funcionalidade: car era a sigla de "Content of Address of Register", e cdr de "Content of Decrement of Register". Hoje em dia, esses nomes persistem por tradição (a.k.a. todo o mundo já estava acostumado com eles e ninguém quis mudar). No geral, nós simplesmente pensamos em car e cdr como os nomes dos componentes de um par em Lisp/Scheme (assim como nós normalmente usamos o comando cat no Unix sem pensar no fato de que o nome vem de "concatenate").]

A função pair? testa se um valor é um par:

#;1> (pair? (cons 23 42))
#t
#;2> (pair? 23)
#f

Por sinal, eu não mencionei isso até agora, mas existem funções análogas para cada tipo de Scheme (e.g., number? testa se um valor é um número, symbol? testa se é um símbolo, string? se é uma string, etc.). Funções que retornam verdadeiro ou falso são chamadas de predicados em Scheme. Por convenção, a maioria dos predicados em Scheme têm nomes terminados em ?.

Naturalmente, os elementos de um par podem ser outros pares:

#;1> (define p (cons (cons 23 42) (cons 69 81)))
#;2> (car p)
(23 . 42)
#;3> (car (car p))
23
#;4> (cdr (car p))
42
#;5> (cdr p)
(69 . 81)
#;6> (car (cdr p))
69
#;7> (cdr (cdr p))
81

E nada nos impede de colocar pares dentro de pares dentro de pares, o que nos permite criar tripas intermináveis de pares, também conhecidas como...

Listas

Embora pares sirvam para guardar, bem, pares de qualquer coisa, o uso mais comum de pares em Scheme é para criar listas encadeadas (conhecidas simplesmente como listas em Scheme). A idéia é que no car de um par guardamos um elemento da lista, e no cdr do par guardamos o restante da lista, que é outro par, contendo mais um elemento e o restante da lista, e assim por diante. Por exemplo se queremos criar uma lista com os números 23, 42 e 81, criamos:

Essa coisa que não seja um par poderia ser um valor qualquer que nos indicasse que chegamos ao fim da lista; poderíamos usar o símbolo 'fim, por exemplo, e escrever:

(cons 23 (cons 42 (cons 81 'fim)))

Porém, o Scheme possui um valor criado especificamente para indicar o final de uma lista: a lista vazia, que pode ser escrita como '():

#;1> '()
()

Assim, podemos escrever:

(cons 23 (cons 42 (cons 81 '())))

Quem está começando na linguagem freqüentemente olha para uma expressão como essa e simplesmente lê linearmente "cons 23, cons 42, cons 81, lista vazia" e ignora os parênteses. Procure prestar atenção no aninhamento: a expressão como um todo é (cons 23 algo) (i.e., um par cujo car é 23 e o cdr é algo), onde algo é a sub-expressão (cons 42 mais-algo), e assim por diante.

Como esse uso de pares aninhados para representar listas é muito freqüente em Scheme, a linguagem usa uma notação abreviada ao imprimi-los. Basicamente, se o cdr de um par é outro par, ao invés de imprimir algo como (foo . (bar . baz)), o Scheme omite o ponto que separa o car do cdr e os parênteses do cdr, e escreve (foo bar . baz):

#;1> (cons 23 (cons 42 81))
(23 42 . 81)
#;2> (cons 23 (cons 42 (cons 81 'fim)))
(23 42 81 . fim)

Além disso, se o cdr de um par é a lista vazia, ao invés de imprimir algo como (foo . ()), o Scheme omite o cdr inteiro e escreve (foo):

#;1> (cons 23 '())
(23)
#;2> (cons 23 (cons 42 '()))
(23 42)
#;3> (cons 23 (cons 42 (cons 81 '())))
(23 42 81)
#;4> (cons 'foo (cons 'bar '()))
(foo bar)

Para construir listas com vários elementos, ao invés de escrever manualmente um monte de chamadas a cons aninhadas, podemos usar a função list, que recebe zero ou mais argumentos e devolve uma lista com os elementos especificados:

#;1> (list 23 42 81)
(23 42 81)
#;2> (list 'foo 'bar 'baz)
(foo bar baz)

Por baixo dos panos, todavia, o que essa função faz é simplesmente construir os pares aninhados que estávamos construindo com cons, e as funções car e cdr podem ser usadas para extrair os componentes da lista (lembrando que (foo bar baz) é simplesmente abreviação de (foo . (bar . (baz . ()))):

#;1> (define lista (list 'foo 'bar 'baz))
#;2> lista
(foo bar baz)
#;3> (car lista)
foo
#;4> (cdr lista)
(bar baz)
#;5> (car (cdr lista))
bar
#;6> (cdr (cdr lista))
(baz)
#;7> (car (cdr (cdr lista)))
baz
#;8> (cdr (cdr (cdr lista)))
()

O predicado null? testa se um valor é a lista vazia:

#;1> (define lista (list 23 42))
#;2> lista
(23 42)
#;3> (null? lista)
#f
#;4> (cdr lista)
(42)
#;5> (cdr (cdr lista))
()
#;6> (null? (cdr (cdr lista)))
#t
#;7> (null? 81)
#f

Scheme vs. HtDP

Se você está vindo das linguagens HtDP, deve ter notado algumas diferenças no tratamento de listas em Scheme R5RS:

Em um post futuro sobre S-expressions, reabordaremos a questão da sintaxe de listas. [Leia-se: eu escrevi 6kB de texto sobre o assunto e vi que não ia sobrar espaço para manipulação de listas e a agenda de contatos.] Por ora, vamos seguir o baile.

Uma agenda de contatos

Ok, galera. Tentando seguir a filosofia mão-na-massa dos posts anteriores, vamos começar a implementar nossa agenda de contatos. Nosso programa deverá oferecer um menu ao usuário, permitindo inserir um contato, listar todos os contatos, procurar um contato pelo nome, remover um contato, e sair do programa. Vamos começar escrevendo duas rotinas recorrentes de interação: uma função que imprime um prompt e lê uma string do usuário, e uma função análoga que lê um número:

(define (lê-string prompt)
  (display prompt)
  (read-line))

(define (lê-número prompt)
  (string->number (lê-string prompt)))

Great. Agora, já podemos começar a implementar o nosso menu. Ele deve imprimir as opções para o usuário, pedir o número da opção desejada e, dependendo da escolha, chamar a função apropriada. Nós poderíamos fazer isso assim:

(define (menu)
  (display "=== Menu ===
  (1) Inserir contato
  (2) Listar todos os contatos
  (3) Procurar contato por nome
  (4) Remover contato
  (5) Sair\n")
  (let ([opção (lê-número "Digite uma opção: ")])
    (cond [(= opção 1) (inserir-contato)]
          [(= opção 2) (listar-contatos)]
          [(= opção 3) (procurar-contato)]
          [(= opção 4) (remover-contato)]
          [(= opção 5) (sair)]
          [else (display "Opção inválida!\n")])))

Note que usamos let ao invés de define para armazenar o resultado de lê-número em uma variável local, pois, como já vimos, não podemos/devemos usar define sem ser no começo do corpo da função (ou outras formas especiais que se comportam como o corpo de uma função).

Ao invés de escrevermos um cond que compara um mesmo valor com várias constantes, poderíamos usar a forma case, que é parecida com o switch do C. A sintaxe é:

(case valor
  [(constante1 constante2...) ação-a]
  [(constante3 constante4...) ação-b]
  ...
  [else ação-default])

O nosso menu, então, ficaria assim:

(define (menu)
  (display "=== Menu ===
  (1) Inserir contato
  (2) Listar todos os contatos
  (3) Procurar contato por nome
  (4) Remover contato
  (5) Sair\n")
  (case (lê-número "Digite uma opção: ")
    [(1) (inserir-contato)]
    [(2) (listar-contatos)]
    [(3) (procurar-contato)]
    [(4) (remover-contato)]
    [(5) (sair)]
    [else (display "Opção inválida!\n")]))

Esse seria um bom momento para carregar o código no interpretador e ver se está tudo correto, mas eu vou deixar isso como exercício para o leitor. Note que mesmo não tendo definido ainda as funções inserir-contato, etc., você já pode chamar a função (main) no interpretador (ou até compilar o código, dependendo das circunstâncias); o código vai rodar até o ponto em que a função inexistente for chamada, e então gerar um erro em tempo de execução.

Agora, vamos trabalhar na inserção de contatos. Em primeiro lugar, nós temos que armazenar os contatos em algum lugar; para isso, vamos criar uma variável global contatos, inicializada com a lista vazia, onde nós vamos ir colocando os contatos à medida em que forem adicionados:

(define contatos '())

Em segundo lugar, nós temos que definir como vamos representar um contato. Poderíamos definir uma estrutura de dados para isso, mas como (1) o objetivo hoje é trabalhar com listas, (2) nós ainda não vimos estruturas, e (3) listas podem ser facilmente impressas, o que facilita a nossa vida mais adiante, nós vamos representar um contato como uma lista de dois elementos, em que o primeiro é o nome e o segundo é o telefone, i.e.:

#;1> (define exemplo (list "Hildur" "555-1234"))
#;2> exemplo
("Hildur" "555-1234")

Para acessar o nome, pegamos o primeiro elemento da lista, i.e., o car:

#;3> (car exemplo)
"Hildur"

Para acessar o telefone, pegamos o segundo elemento da lista. Como vimos, o cdr de uma lista é o restante da lista, i.e., a lista sem o primeiro elemento (equivalente ao ponteiro para o próximo elemento de uma lista encadeada em C):

#;4> (cdr exemplo)
("555-1234")

O segundo elemento é o primeiro elemento do restante da lista, então podemos acessá-lo pegando o car do restante (cdr) da lista:

#;5> (car (cdr exemplo))
"555-1234"

Na verdade, esse tipo de acesso usando seqüências de car e cdr é tão comum em Scheme que a linguagem oferece combinações prontas de car e cdr para até quatro níveis de "profundidade":

Na verdade, parte do motivo de os nomes car e cdr terem persistido até os dias de hoje é que nomes alternativos não são tão fáceis de compor. True story.

De qualquer forma, não queremos encher nosso programa de cadrs e cddrs, por dois motivos: primeiro, esses nomes não são exatamente a coisa mais prontamente legível do mundo; e segundo, nós não queremos que o programa fique tão dependente da representação dos contatos: se no futuro nós decidirmos adicionar campos, ou mudar a ordem, ou trocar as listas por estruturas de verdade, não queremos ter que sair mudando todos os pontos do programa que usam contatos. Assim, vamos introduzir um pouquinho de abstração criando funções para criar um contato e obter os campos de um dado contato:

(define (novo-contato nome telefone) (list nome telefone))
(define (nome-do-contato contato) (car contato))
(define (telefone-do-contato contato) (cadr contato))

Agora, podemos escrever (depois de recarregar o código no interpretador):

#;1> (define exemplo (novo-contato "Hildur" "555-1234"))
#;2> exemplo
("Hildur" "555-1234")
#;3> (nome-do-contato exemplo)
"Hildur"
#;4> (telefone-do-contato exemplo)
"555-1234"

(Os nomes ficaram meio verbosos, mas foi o melhor que eu consegui pensar em português no momento.) O importante é que agora toda a manipulação de contatos no resto do código ocorrerá através dessas funções, e se quisermos mudar a representação de um contato só teremos que mudar essas funções.

Tudo muito bacana. Agora precisamos saber como adicionar um contato novo na lista de contatos. Como vimos, uma lista é uma tripa de pares em que cada par contém um elemento da lista e (um poonteiro para) o restante da lista. Dado um valor x e uma lista lst, podemos criar um novo parzinho em que o car é x e o cdr é a lista lst, e assim estamos criando uma lista cujo primeiro elemento é x e o restante da lista é a lista lst:

#;1> (define lst (list 1 2 3))
#;2> lst
(1 2 3)
#;3> (cons 5 lst)
(5 1 2 3)

Então, para adicionar um contato novo à lista de contatos, basta fazer um cons do contato novo com a lista existente. O problema é que cons cria uma lista nova; ele não altera a lista original:

#;4> lst
(1 2 3)

O que nós precisamos é atribuir a lista nova à variável contatos. Para isso, usamos o operador especial set!:

#;5> (set! lst (cons 5 lst))
#;6> lst
(5 1 2 3)

Agora já temos todas as ferramentas necessárias para escrever a função inserir-contato. Ela deve perguntar ao usuário o nome e o telefone, criar um contato com esses dados, e adicioná-lo a lista global de contatos:

(define (inserir-contato)
  (define nome (lê-string "Nome: "))
  (define telefone (lê-string "Telefone: "))
  (set! contatos (cons (novo-contato nome telefone) contatos)))

Vamos testar nosso programa?

#;1> ,l agenda.scm
; loading agenda.scm ...

Note: the following toplevel variables are referenced but unbound:

  listar-contatos (in menu)
  procurar-contato (in menu)
  remover-contato (in menu)
  sair (in menu)
#;1> (inserir-contato)
Nome: Hildur
Telefone: 555-1234
#;2> (inserir-contato)
Nome: Magnús
Telefone: 234-5678
#;3> contatos
(("Magnús" "234-5678") ("Hildur" "555-1234"))

Parece um sucesso. Vamos agora fazer a função que lista todos os contatos. Essa função é basicamente um loop que percorre toda a lista, imprimindo cada contato. Como vimos, um loop pode ser implementado como uma função que chama a si mesma. Mas como o loop tem que percorrer a lista, a função deve receber a lista como argumento, imprimir um contato, e repetir o loop (i.e., chamar a si própria) com o restante da lista, até chegar ao fim (i.e., à lista vazia). Vai ficar algo assim:

;; 1. Função que recebe _um_ contato e imprime:
(define (imprime-contato contato)
  (printf "Nome: ~a\n" (nome-do-contato contato))
  (printf "Telefone: ~a\n" (telefone-do-contato contato))
  (printf "\n"))

;; 2. Função que recebe uma lista de contatos e imprime cada um (o loop):
(define (imprime-contatos lst)
  (cond
   ;; Se chegamos ao fim da lista (i.e., à lista vazia), nada a fazer.
   [(null? lst) (void)]
   ;; Senão, imprimimos o primeiro contato e repetimos a função para o restante da lista.
   [else (imprime-contato (car lst))
         (imprime-contatos (cdr lst))]))

;; 3. Finalmente, função que imprime a lista global de contatos (chamada a partir do menu):
(define (listar-contatos)
  (imprime-contatos contatos))

O (void) não é estritamente necessário; ele é só uma maneira de dizer "não faça nada e não retorne valor nenhum". Ao invés dele, poderíamos ter retornar um valor qualquer, como #f, já que a função imprime-contatos é chamada apenas para imprimir os valores da lista, mas não se espera que ela retorne nenhum valor particularmente útil.

Na verdade, o Scheme tem uma função pronta, for-each, que recebe uma função e uma lista e chama a função especificada sobre cada elemento da lista. Então nós não precisaríamos escrever a função imprime-contatos, e a nossa função listar-contatos ficaria:

(define (listar-contatos)
  (for-each imprime-contato contatos))

Mas eu precisava mostrar como iterar sobre uma lista no geral, so there we go.

A próxima função é a de procurar um contato por nome. Ela deve perguntar um nome ao usuário e iterar sobre a lista de contatos até encontrar algum contato com o nome especificado, ou chegar ao fim da lista e descobrir que não havia nenhum contato com aquele nome. Primeiro, vamos escrever uma função que recebe um nome e uma lista de contatos e procura um contato com aquele nome:

(define (procura-contato nome contatos)
  (cond
   ;; Se chegamos na lista vazia, é porque não achamos nenhum
   ;; contato com o nome procurado.  Nesse caso, retornaremos #f.
   [(null? contatos) #f]
   ;; Caso contrário, olhamos para o primeiro elemento da lista.
   ;; Se ele tiver o nome que estamos procurando, retornamos o contato.
   [(string=? nome (nome-do-contato (car contatos)))  (car contatos)]
   ;; Caso contrário, procuramos no restante da lista.
   [else (procura-contato nome (cdr contatos))]))

De posse dessa função, podemos escrever a que pergunta um nome ao usuário, procura-o na lista global, e imprime o contato, se existir, ou uma mensagem de erro, caso contráro.

(define (procurar-contato)
  (define nome (lê-string "Nome procurado: "))
  (define contato (procura-contato nome contatos))
  (cond
   [contato (imprime-contato contato)]
   [else (display "Contato não encontrado!\n")]))

Note que a variável local contato vai conter ou um contato ou #f, dependendo de o contato existir ou não. Assim como em C o valor 0 é considerado falso e qualquer outro valor é considerado verdadeiro, em Scheme o valor #f é falso e qualquer outro valor é considerado verdadeiro. Assim, a primeira cláusula do cond acima será executada se contato não for #f, i.e., se um contato foi encontrado pela função procura-contato.

Vamos agora à função de remoção de contato. Para isso, escreveremos uma função que recebe uma lista de contatos e um nome a ser removido, e retorna uma nova lista de contatos sem o contato com aquele nome. Essa função apresenta uma novidade: é a primeira função que escrevemos que produz uma lista como resultado. Vamos ver como vamos fazer isso.

(define (remove-contato nome contatos)
  (cond

Se a lista de contatos está vazia, não há nada a remover; podemos simplesmente retornar a própria lista de contatos vazia.

   [(null? contatos) contatos]

Caso contrário, olhamos para o primeiro contato na lista. Se o nome dele for igual ao que estamos procurando, para removê-lo basta devolvermos a lista sem o primeiro elemento:

   [(string=? nome (nome-do-contato (car contatos)))  (cdr contatos)]

Finalmente, o caso mais complicado. Se o primeiro elemento da lista não é o que estamos procurando, ele vai continuar sendo o primeiro elemento da lista nova, certo? Mas o restante da lista nova vai ser igual ao restante da lista antiga depois de removido o elemento que estamos procurando, usando a própria função remove-contato:

   ;     ,--- Criamos uma lista
   ;     |
   ;     |     ,-- onde o primeiro elemento é o mesmo da original
   ;     |     |
   ;     |     |              ,-- e o restante é o restante da original
   ;     |     |              |   depois de aplicada a rotina de remoção
   ;     V     V              V
   [else (cons (car contatos) (remove-contato nome (cdr contatos)))]))

Com isso, podemos escrever a função que pergunta um nome e remove o contato da lista global:

(define (remover-contato)
  (define nome (lê-string "Nome a remover: "))
  (set! contatos (remove-contato nome contatos)))

Falta implementar a opção de sair do programa. Na verdade, o nosso menu atualmente só executa uma vez, então tecnicamente o programa sempre "sai" depois de executar qualquer opção. O que nós queremos é (1) fazer o programa executar o menu em loop; e (2) uma maneira de quebrar o loop quando o usuário seleciona a opção 5. Uma maneira de fazer isso é fazer o menu chamar a si mesmo em todas as cláusulas do case menos na cláusula da opção 5, o que é meio tosco porque temos que escrever a re-chamada quatro vezes. Outra opção é colocar um condicional no final da menu que faz um "se a opção for diferente de 5, chama (menu)". O melhor talvez seria usar uma saída não-local, mas isso daria spoiler de posts futuros. O que eu vou fazer é o seguinte: menu executa uma única vez, mas retorna #t se o programa deve continuar executando e #f se ele deve parar. Aí então escrevemos uma função main-loop que chama menu e decide se rechama a si mesma dependendo do que a main retornar. A função menu fica:

(define (menu)
  (display "=== Menu ===
  (1) Inserir contato
  (2) Listar todos os contatos
  (3) Procurar contato por nome
  (4) Remover contato
  (5) Sair\n")
  (case (lê-número "Digite uma opção: ")
    [(1) (inserir-contato) #t]
    [(2) (listar-contatos) #t]
    [(3) (procurar-contato) #t]
    [(4) (remover-contato) #t]
    [(5) #f]
    [else (display "Opção inválida!\n") #t]))

E a main-loop, então, fica:

(define (main-loop)
  (cond [(menu) (main-loop)]
        [else (void)]))

E lá no finalzinho do nosso programa, nós colocamos uma chamada à main-loop:

(main-loop)

Whoa! Está pronto! Agora você pode rodar o programa no interpretador, ou até compilá-lo (lembrando de pôr um (use extras) no começo, no caso do Chicken), e testá-lo a gosto.

Salvando os contatos

O único (é, o único) drawback do nosso programa é que ele perde a memória quando termina. O ideal seria que ele salvasse os contatos em um arquivo ao sair, e os recuperasse ao iniciar. Felizmente, há uma maneira simples de fazer isso. Como sabemos, quando pedimos para ver a lista de contatos no prompt interativo, ela é impressa com aquela notaçãozinha maneira com os elementos entre parênteses. Na verdade, o que o prompt de avaliação faz é ler uma expressão, avaliá-la, e imprimir o resultado usando a função write. write recebe como argumento um valor que se queira imprimir e, opcionalmente, uma porta. Uma porta é como se fosse um FILE * do C, i.e., ela representa (normalmente) um arquivo aberto. O que nós podemos fazer, então, é abrir um arquivo para escrita e usar write para escrever a lista de contatos no arquivo. Posteriormente, podemos abrir o mesmo arquivo para leitura e usar a função read, que lê a representação textual de um dado do Scheme e retorna o dado correspondente.

(define arquivo-de-contatos "contatos.txt")

(define (salva-contatos)
  (let ([porta (open-output-file arquivo-de-contatos)])
    (write contatos porta)
    (close-output-port porta)))
  
(define (carrega-contatos)
  (cond [(file-exists? arquivo-de-contatos)
         (let ([porta (open-input-file arquivo-de-contatos)])
           (set! contatos (read porta))
           (close-input-port porta))]
        [else
         ;; Arquivo não existe; não faz nada.
         (void)]))

E no final do programa, ao invés de só chamar main-loop, fazemos:

(carrega-contatos)
(main-loop)
(salva-contatos)

Agora, se você testar o programa, deverá observar que os contatos são preservados entre execuções. Se você abrir o arquivo contatos.txt, verá que o conteúdo é simplesmente a lista contatos escrita no mesmo formato que o prompt de avaliação usa.

Closing remarks

Um monte de coisas nesse código poderiam ter sido simplificadas se eu tivesse usado funções prontas do Scheme R5RS e da SRFI 1 para manipulação de listas, tais como assoc para procurar um elemento na nossa lista de contatos, ou delete para remover um elemento da lista. Porém, como o objetivo do post era demonstrar como trabalhar com listas em geral, eu acabei preferindo fazer as coisas manualmente. Da mesma forma, existem maneiras melhores de abrir e trabalhar com arquivos, mas eu teria que explicar conceitos ainda não vistos e que iam aumentar muito o tamanho do post (que já saiu bem maior do que o planejado). O código também ficou com uma porção de conds que eu normalmente escreveria usando outras formas, mas eu quis evitar introduzir muitas novidades não relacionadas a listas neste post. Tudo isso será revisto em tempo (eu espero).

No próximo post, deveremos abordar o famoso lambda e entrar mais na parte de programação funcional, e/ou ver mais algumas features sortidas da linguagem. Veremos. Comentários, como sempre, são bem-vindos.

Você pode baixar o código desenvolvido neste post aqui.

9 comentários / comments

Tour de Scheme, parte 1: Tipos básicos, expressões de vários sabores, e um jogo de adivinhações

2016-04-06 03:06 -0300. Tags: comp, prog, lisp, scheme, tour-de-scheme, em-portugues

[Este post é parte de uma série sobre Scheme.]

No último episódio, vimos como compilar e rodar programas em Scheme usando o Chicken. Neste post, veremos algumas construções de Scheme e as diferenças em relação às construções equivalentes nas linguagens HtDP. Em seguida, veremos como escrever um programinha clássico de "adivinhe o número" em Scheme.

[Screenshot do programa de adivinhar o número]
Cores por cortesia do shell-mode do Emacs

Você pode acompanhar os exemplos usando o DrRacket ao invés do Chicken, se preferir, mas para isso você deverá abrir a janela "Choose Language" (Ctrl+L), escolher "The Racket Language", clicar no botão "Show Details", e mudar o Output Style para "write" ao invés de "print".

Tipos básicos

Você deve lembrar dos tipos de dados básicos das linguagens HtDP (se não lembrar tudo bem, pois nós vamos revê-los agora):

Se você entrar algum desses valores em um prompt de avaliação, o resultado será o próprio valor:

#;1> -6.25
-6.25
#;2> "Hello, world!\n"
"Hello, world!\n"
#;3> #\h
#\h
#;4> #t
#t
#;5> 'foo
foo

Hmm, aqui temos uma curiosidade: diferente do que acontecia nas linguagens HtDP, 'foo produz foo sem o apóstrofe. Vamos fazer uma nota mental desse detalhe e seguir adiante.

Expressões compostas

Nem só de expressões constantes vive o ser humano. Um programa em Scheme consiste majoritariamente de chamadas de função e formas especiais. Chamadas de função são escritas na forma (função argumento1 argumento2...), i.e., a função e os argumentos separados por espaços e envoltos em parênteses. Por exemplo:

#;1> (display "Hello, world!\n")
Hello, world!
#;2> (sqrt 16)
4.0
#;3> (expt 5 3)
125

Operadores aritméticos em Scheme são funções comuns, e são usados exatamente como as demais funções, i.e., se escreve (operador argumentos...):

#;1> (+ 2 3)
5
#;2> (* 2 3)
6

Vale notar que essas operações aceitam um número arbitrário de argumentos:

#;1> (+ 1 2 3 4)
10

Naturalmente, você pode usar o resultado de uma chamada de função como argumento para outra chamada:

#;2> (expt (+ 1 2 3 4) 2)
100
#;3> (* 10 (sqrt 16))
40.0

Operadores de comparação também são funções:

#;1> (< 2 3)
#t
#;2> (> 2 3)
#f

Formas especiais são escritas da mesma maneira, mas usando um operador especial ao invés de uma função. Exemplos de operadores especiais são:

A diferença entre uma chamada de função e uma forma especial é que em uma chamada de função, todos os argumentos são avaliados como expressões, antes mesmo de a função começar a executar, enquanto em uma forma especial, os argumentos não são necessariamente todos avaliados ou considerados como expressões. (No caso do if e cond, certos argumentos só são avaliados dependendo dos valores das condições. No caso do define, o nome da variável ou função simplesmente não é avaliado: (define valor 5) não tenta avaliar valor, mas sim toma-o literalmente como o nome da variável.)

Exemplo: Adivinhe o número

Vamos exercitar um pouco do que vimos até agora escrevendo um programinha clássico que sorteia um número de 1 a 100 e fica pedindo ao usuário que tente adivinhar o número até o usuário acertar ou morrer de tédio. Quando o usuário erra, informamos se o seu chute foi muito alto ou muito baixo. Para isso, vamos precisar de umas funçõezinhas extra ainda não vistas:

Ok. Vamos começar escrevendo uma função para perguntar um número ao usuário e ler a resposta:

(define (pergunta-número)
  (display "Digite um número: ")
  (read-line))

Salve essa função em um arquivo adivinha.scm e carregue-o no interpretador:

#;1> ,l adivinha.scm
; loading adivinha.scm ...

Agora, podemos testar a função:

#;1> (pergunta-número)
Digite um número: 13
"13"

Que sucesso, hein? Só que queremos que a função retorne um número, não uma string (pois precisamos comparar o número digitado com a resposta certa mais tarde). Vamos modificar a pergunta-número para converter o resultado para número antes de retornar:

(define (pergunta-número)
  (display "Digite um número: ")
  (string->number (read-line)))

Note que:

Isso é diferente das linguagens HtDP, que só permitem uma expressão no corpo da função.

Ok, enough talk. Vamos recarregar o arquivo no interpretador e testar:

#;2> ,l adivinha.scm
; loading adivinha.scm ...
#;2> (pergunta-número)
Digite um número: 13
13

Buenacho barbaridade. Agora vamos escrever uma função que recebe um número (a resposta certa), lê o chute do usuário, guardando-o em uma variável local, compara-o com a resposta certa, e imprime uma mensagem apropriada:

(define (avalia-tentativa gabarito)
  (define tentativa (pergunta-número))
  (cond [(= tentativa gabarito) (display "Você acertou! Parabéns!\n")]
        [(< tentativa gabarito) (display "Muito baixo!\n")]
        [(> tentativa gabarito) (display "Muito alto!\n")]))

Vamos ver se isso funciona? Vamos chamar a função com 42 como a resposta certa, e responder o prompt com 13:

#;1> ,l adivinha.scm
; loading adivinha.scm ...
#;1> (avalia-tentativa 42)
Digite um número: 13
Muito baixo!
#;2>

Well, funcionou, pelo menos para esse caso. O causo é, todavia, que a gente quer que a função fique repetindo enquanto o usuário não acertar. Há várias maneiras de fazer esse loop, mas a maneira mais simples, usando só o que a gente viu até agora, é fazer a função simplesmente chamar a si mesma se a resposta não é a esperada:

(define (avalia-tentativa gabarito)
  (define tentativa (pergunta-número))
  (cond [(= tentativa gabarito) (display "Você acertou! Parabéns!\n")]
        [(< tentativa gabarito) (display "Muito baixo!\n")
                                (avalia-tentativa gabarito)]
        [(> tentativa gabarito) (display "Muito alto!\n")
                                (avalia-tentativa gabarito)]))

Ok, dava para simplificar várias coisas nesse código (e.g., unificar os dois últimos casos para escrever a re-chamada só uma vez), mas por enquanto está bom assim. (Se você está vindo de uma linguagem não-funcional, você pode estar pensando que é super-ineficiente usar uma chamada de função ao invés de um loop para repetir o corpo. Em Scheme, todavia, essa chamada é tão eficiente quanto um loop, devido a uma feature chamada tail call optimization, que nós vamos deixar para discutir em outra oportunidade.)

Vamos lá testar as esferas do dragão:

#;7> ,l adivinha.scm
; loading adivinha.scm ...
#;7> (avalia-tentativa 42)
Digite um número: 13
Muito baixo!
Digite um número: 81
Muito alto!
Digite um número: 42
Você acertou! Parabéns!
#;8> 

Agora sim. Só falta a parte do programa que gera o número aleatório e chama avalia-tentativa, i.e., falta o equivalente da "main" do nosso programa. Nós podemos escrever o código dentro de uma função main para fins de organização (e de poder testar a função a partir do prompt do interpretador), mas, como mencionado no último post, não existe em Scheme uma função especial "main" por onde a execução começa. O programa simplesmente executa todas as expressões no corpo do programa em seqüência. Então, podemos simplesmente atirar geração do número aleatório e chamada a avalia-tentativa no corpo do programa (lembrado de pôr a chamada depois da definição de avalia-tentativa; caso contrário, a função ainda não vai estar definida quando ocorrer a chamada); ou então podemos colocar isso numa função (again, apenas para fins de organização), mas aí temos que chamar a função no corpo do programa. Algo como:

;; Define a função...
(define (main)
  (avalia-tentativa (+ 1 (random 100))))

;; ...e a chama no corpo do programa, para que ela seja executada quando o programa iniciar.
(main)

Note que chamamos avalia-tentativa com (+ 1 (random 100)), pois (random 100) retorna um número entre 0 e 99, mas queremos um número entre 1 e 100, e para isso somamos 1 ao resultado.

Podemos testar no interpretador, mas agora que está tudo feito, podemos ao invés disso compilar o programa e testar o executável diretamente:

$ csc adivinha.scm
$ ./adivinha 

Error: unbound variable: random

	Call history:

	adivinha.scm:19: main	  
	adivinha.scm:15: random	  	<--

Ei! Que sacanagem é essa? Well, acontece que random é definida em um pacote que é carregado automaticamente pelo interpretador, mas não no código compilado. Isso é um acontecimento relativamente comum no Chicken. Para resolver isso, primeiro precisamos saber qual é o pacote que contém a função random. Para isso, podemos usar o chicken-doc, que vimos como instalar no post anterior:

$ chicken-doc random
Found 2 matches:
(random-bsd random)  (random N)
(extras random)      (random N)

Well, temos duas opções. random-bsd é um egg (que não vem por padrão com o Chicken e você pode instalar com o chicken-install). extras é um pacote/unit/como-preferir que acompanha o Chicken e não requer a instalação de nada especial. É esse que vamos usar. Tudo o que precisamos é adicionar a linha:

(use extras)

no começo do nosso código. Agora, podemos recompilar e testar:

$ csc adivinha.scm
$ ./adivinha 
Digite um número: 32
Muito alto!
Digite um número: 10
Muito baixo!
Digite um número: 20
Muito alto!
Digite um número: 15
Você acertou! Parabéns!
$

Uff! Funcionou. Nosso programa inteiro ficou assim:

(use extras)

(define (pergunta-número)
  (display "Digite um número: ")
  (string->number (read-line)))

(define (avalia-tentativa gabarito)
  (define tentativa (pergunta-número))
  (cond [(= tentativa gabarito) (display "Você acertou! Parabéns!\n")]
        [(< tentativa gabarito) (display "Muito baixo!\n")
                                (avalia-tentativa gabarito)]
        [(> tentativa gabarito) (display "Muito alto!\n")
                                (avalia-tentativa gabarito)]))

(define (main)
  (avalia-tentativa (+ 1 (random 100))))

(main)

Exercício: Experimente modificar o programa para, quando o usuário acertar, mostrar quantas tentativas foram usadas para adivinhar o número. Como conservar essa contagem durante a execução do loop (que na verdade é uma função que chama a si própria)?

Dica: Para imprimir uma mensagem como "Você acertou em N tentativas", você pode simplesmente usar vários displays em seqüência, i.e.:

(display "Você acertou em ")
(display N)
(display " tentativas\n")

Ou, em Chicken e Racket, você pode usar (printf "Você acertou em ~a tentativas" N). printf não é uma função padrão do Scheme R5RS, mas sim uma extensão do Chicken, Racket e possivelemente outras implementações.

Closing remarks

No nosso exemplo, definimos uma função separada para perguntar o número ao usuário, ao invés de fazer a pergunta diretamente na função avalia-tentativa. Eu fiz isso por dois motivos.

O primeiro é que é considerado bom estilo em Scheme definir funções pequenas com um propósito bem definido. Não só porque o código tende a ficar mais legível, mas também porque isso facilita testar separadamente cada parte do programa a partir do prompt de avaliação. Como você pôde observar neste post, o estilo normal de desenvolvimento em Scheme é ir escrevendo o programa aos poucos, recarregando as modificações no prompt de avaliação, e testando à medida em que se escreve. (Nada lhe impede de escrever o programa inteiro e testar depois, mas, mesmo nesses casos, poder chamar as diversas partes do programa individualmente a partir do prompt é útil para debugar o programa e descobrir a origem de um erro.)

Por falar em bom estilo, em Scheme é considerado bom estilo dar nomes descritivos às funções (principalmente) e às variáveis. Acostume-se a dar nomes-descritivos-separados-por-traços às funções (como fizemos neste post), e a usar o recurso de auto-completar do seu editor favorito para não se cansar digitando (Ctrl+N no Vim, Alt+/ no Emacs, configurável em ambos).

O segundo motivo é que, em Scheme R5RS, defines aninhados só podem aparecer no começo do corpo da função (e no começo de algumas outras formas especiais ainda não vistas), i.e., não podemos escrever:

(define (avalia-tentativa gabarito)
  (display "Digite um número: ")
  (define tentativa (string->number (read-line)))
  (cond ...))

pois o define não é a primeira coisa no corpo da função. Diversas implementações de Scheme permitem defines fora do começo da função, incluindo o próprio Chicken, mas os detalhes e o comportamento variam de Scheme para Scheme e podem trazer umas surpresas desagradáveis, e portanto eu prefiro evitá-los. Para definir variáveis fora do começo da função, pode-se usar a forma let, cuja sintaxe é:

(let ([variável1 valor1]
      [variável2 valor2]
      ...)
  corpo no qual as variáveis são visíveis)

Assim, poderíamos escrever:

(define (avalia-tentativa gabarito)
  (display "Digite um número: ")
  (let ([tentativa (string->number (read-line))])
    (cond ...)))

A forma com a função pergunta-número separada é mais legível, anyway.

Aproveito a oportunidade para mencionar que parênteses e colchetes são totalmente intercambiáveis em Chicken, Racket, Guile e provavelmente outras implementações. Você pode usar apenas parênteses, se preferir (em Scheme R5RS puro apenas os parênteses são definidos), mas costuma-se usar colchetes em formas como let e cond para facilitar a leitura.

(close (current-post))

Por hoje ficamos por aqui. Eu pretendia falar sobre listas neste post originalmente, mas vai ficar para o próximo da série. Como sempre, sugestões, comentários, dúvidas, reclamações, etc., são sempre bem-vindos.

11 comentários / comments

Tour de Scheme, parte 0

2016-03-31 23:57 -0300. Tags: comp, prog, lisp, scheme, tour-de-scheme, em-portugues

[Ok, tenho que publicar isso aqui logo antes que seja primeiro de abril e achem que o texto é zoeira.]

Aqui na INF nós temos uma cadeira chamada Fundamentos de Algoritmos. Nessa cadeira, a galera programa usando um subset didático de Scheme, as linguagens do How to Design Programs, no ambiente DrRacket (anteriormente conhecido como DrScheme). As linguagens HtDP são bastante limitadas, então normalmente os alunos (incluindo eu mesmo, quando fiz a cadeira) saem com a impressão de que Scheme é uma linguagem limitada, sem utilidade prática, e cheia de parênteses supérfluos.

O meu objetivo aqui é fazer um tour pela linguagem Scheme tal como ela é usada "no mundo real". Este post é o primeiro de uma (provável) série de posts, nos quais eu pretendo cobrir, sem nenhum compromisso com uma ordem muito fixa (muito menos com um cronograma) os seguintes tópicos:

Comentários são bem-vindos, e podem guiar o rumo da série se alguém tiver interesse em tópicos específicos.

Então, lá vamos nós.

[Screenshot de Hello World em Scheme]
Se eu não mostrar logo um "Hello World!" em Scheme, ninguém vai continuar lendo

Lisp, Scheme, e um pouco de história

Lisp é uma família de linguagens que brotaram em última instância do Lisp original (que naquela época se escrevia LISP), criado por John McCarthy em 1958. As linguagens mais importantes dessa família atualmente são Scheme, Common Lisp e Clojure.

O Scheme surgiu por volta de 1975, por obra de Guy Steele (também conhecido por seu envolvimento na padronização do Common Lisp e do Java) e Gerald Sussman (também conhecido pelo livro Structure and Interpretation of Computer Programs). Desde lá, surgiram diversas versões ("revisões") da linguagem. A versão mais amplamente implementada atualmente é o R5RS (Revised5 Report on Scheme). Depois disso surgiram o R6RS (que teve uma recepção um tanto controversa na comunidade Scheme, por uma série de razões), e o R7RS (uma revisão mais próxima do R5RS, mas que ainda não é amplamente suportada).

Scheme é uma linguagem minimalista: a definição do R5RS tem 50 páginas. Coisas como interação com o sistema operacional, manipulação do sistema de arquivos, threads, conexões de rede, etc. não são especificadas pelo report. Porém, essas funcionalidades são providas como extensões pelas diversas implementações de Scheme. Além de bibliotecas, as implementações freqüentemente também provêem extensões da linguagem Scheme em si. (Na verdade, Scheme, assim como os demais Lisps, possui uma sintaxe extensível, e muitas coisas que seriam consideradas extensões em outras linguagens são providas por bibliotecas em Scheme.)

Uma conseqüência disso é que, como essas features não são padronizadas, cada implementação de Scheme é livre para implementá-las como quiser. É mais ou menos como se cada implementação fosse um dialeto de Scheme diferente. Isso significa que programas Scheme não costumam ser diretamente portáveis entre implementações (pois qualquer programa não-trivial acaba usando features não definidas no report), mas isso não chega a ser um grande problema, pois a maioria das implementações mais importantes rodam em múltiplas plataformas (i.e., as implementações são elas próprias portáveis). Além disso, algumas dessas features fora do escopo do report são definidas como SRFIs (Scheme Request For Implementation), que são basicamente padrões definidos pela comunidade Scheme e suportados por diversas implementações (nem todas as SRFIs são suportados por todas as implementações, mas todas as implementações que suportam uma dada SRFI oferecem a mesma interface).

Implementações

Existem dúzias (literalmente) de implementações de Scheme, mas apenas algumas são ativamente mantidas. Há quem tenha mais recomendações de implementações, mas eu posso sugerir as seguintes três:

Para os exemplos neste post, usarei o Chicken. O básico vai funcionar em qualquer outro Scheme, mas os exemplos que usam bibliotecas são específicos do Chicken. Além disso, o post assume que estaremos rodando em GNU/Linux.

Editores de texto

Para programar em Scheme e demais Lisp, é meio que uma necessidade usar um editor de texto com suporte decente a indentação automática e highlighting de parênteses. Eu conheço três editores (e meio) que satisfazem esses requisitos: o Emacs, o Vim, o DrRacket e (meio que) o JED (com um addon de terceiros, e meio meia-boca pelo que eu testei). Tanto o Emacs quanto o Vim ativam automaticamente sintaxe e indentação adequadas quando você abre um arquivo com a extensão .scm (ou deveriam, pelo menos).

No Vim, você pode usar :set ai lisp caso a indentação não seja ajustada automaticamente, e :syntax on para habilitar syntax highlighting. Um comando particularmente útil é %, que salta para o parêntese que casa com o parêntese sob o cursor. Esse comando pode ser combinado com outros (e.g., c% para recortar uma expressão inteira entre parênteses).

No Emacs, tudo deveria funcionar normalmente de fábrica. Comandos particularmente úteis são Ctrl+Alt+setas para saltar por expressões (e.g., se você está sobre o abre-parêntese, Ctrl+Alt+→ salta para o fecha-parêntese), e Ctrl+Alt+K para recortar a expressão diante do cursor (e.g., você pode parar sobre o abre-parêntese e dar Ctrl+Alt+K para recortar toda a expressão). O Emacs também possui alguns modos para integração com um interpretador Scheme externo (o que permite um desenvolvimento a la DrRacket).

Nada impede que você use o DrRacket para editar o seu código e use outro Scheme para executá-lo (o que seria meio bizarro, mas quem é o mundo para lhe julgar?).

Usando o Chicken

Vamos começar vendo como rodar um programa com o Chicken. Crie um arquivo chamado hello.scm com o conteúdo:

(display "Hello, world!\n")

O Chicken vem com dois comandos principais: csc (Chicken Scheme Compiler) e csi (Chicken Scheme Interpreter). Vamos começar usando o compilador. Para compilar o arquivo, abra um terminal, entre no diretório onde você salvou o hello.scm, e execute:

$ csc hello.scm

(O $ é o prompt, não parte do comando.) Isso deve criar um executável chamado hello, que (no GNU/Linux e demais Unixes) você pode chamar com ./hello:

$ ./hello
Hello, world!

Ao invés de compilar o programa, podemos executá-lo no interpretador. Se você chamar csi hello.scm, o Chicken vai carregar o interpretador, interpretar o programa, e exibir um prompt esperando por expressões Scheme a avaliar. Você também pode chamar o csi sem um nome de arquivo para simplesmente abrir o prompt de avaliação.

$ csi hello.scm

CHICKEN
(c) 2008-2014, The Chicken Team
(c) 2000-2007, Felix L. Winkelmann
Version 4.9.0.1 (stability/4.9.0) (rev 8b3189b)
linux-unix-gnu-x86-64 [ 64bit manyargs dload ptables ]
bootstrapped 2014-06-07

; loading /home/vitor/.csirc ...
; loading /var/lib//chicken/7/readline.import.so ...
; loading /var/lib//chicken/7/chicken.import.so ...
; loading /var/lib//chicken/7/foreign.import.so ...
; loading /var/lib//chicken/7/ports.import.so ...
; loading /var/lib//chicken/7/data-structures.import.so ...
; loading /var/lib//chicken/7/posix.import.so ...
; loading /var/lib//chicken/7/irregex.import.so ...
; loading /var/lib//chicken/7/readline.so ...
; loading hello.scm ...
Hello, world!
#;1> 

O interpretador é particularmente útil quando queremos chamar as funções de um programa individualmente e ver os resultados, ao invés de rodar o programa inteiro toda vez que queremos testar algo. Por exemplo, vamos adicionar ao nosso hello.scm uma função greet, que recebe o nome de alguém e imprime uma saudação adequada:

(define (greet name)
  (display (string-append "Hello, " name "!\n")))

;; Imprime "Hello, world!\n" ao iniciar o programa, como no programa original.
(greet "world")

Agora se rodarmos o interpretador, o programa imprimirá "Hello, world!" como anteriormente, mas podemos chamar a função greet diretamente do prompt:

$ csi hello.scm

CHICKEN
(c) 2008-2014, The Chicken Team
(c) 2000-2007, Felix L. Winkelmann
Version 4.9.0.1 (stability/4.9.0) (rev 8b3189b)
linux-unix-gnu-x86-64 [ 64bit manyargs dload ptables ]
bootstrapped 2014-06-07

; loading /home/vitor/.csirc ...
; loading /var/lib//chicken/7/readline.import.so ...
; loading /var/lib//chicken/7/chicken.import.so ...
; loading /var/lib//chicken/7/foreign.import.so ...
; loading /var/lib//chicken/7/ports.import.so ...
; loading /var/lib//chicken/7/data-structures.import.so ...
; loading /var/lib//chicken/7/posix.import.so ...
; loading /var/lib//chicken/7/irregex.import.so ...
; loading /var/lib//chicken/7/readline.so ...
; loading hello.scm ...
Hello, world!
#;1> (greet "Hildur")
Hello, Hildur!
#;2> 

Isso é extremamente útil para debugar e testar programas. De fato, o método de desenvolvimento normal em Scheme é ir testando as funções à medida em que vai escrevendo o programa, ao invés de esperar até ter um programa completo para rodar. Note que aqui abrimos de novo o interpretador para carregar a nova versão do hello.scm, mas isso não é necessário: você pode usar (load "hello.scm") a partir do prompt de avaliação para recarregar o arquivo (ou carregar um novo arquivo), ou a forma abreviada ,l hello.scm.

A desvantagem de usar o interpretador é que o código interpretado é mais lento que o compilado. Quando se deseja ter tanto a velocidade do código compilado quanto a conveniência do prompt interativo, o que se pode fazer é compilar o programa como uma biblioteca compartilhada (shared library), que pode ser carregada no interpretador. Para isso, utiliza-se a opção -shared com o csc:

$ csc -shared hello.scm

Isso cria um arquivo hello.so (SO = Shared Object, a extensão de bibliotecas no GNU/Linux). Agora você pode rodar csi hello.so, ou rodar ,l hello.so a partir do prompt interativo, para carregar a biblioteca.

Pacotes e documentação

O Chicken possui um sistema de pacotes, chamados eggs, que podem ser tanto bibliotecas quanto executáveis independentes. Vamos começar instalando um egg particularmente útil: o chicken-doc, que permite ler e pesquisar a documentação do Chicken.

O primeiro passo é instalar o egg em si. Para isso, usamos o comando chicken-install, que se encarrega de baixar, compilar e instalar o egg:

$ chicken-install -sudo chicken-doc

O segundo passo é baixar e instalar a documentação propriamente dita, seguindo as instruções na página do chicken-doc:

$ cd `csi -p '(chicken-home)'`
$ curl http://3e8.org/pub/chicken-doc/chicken-doc-repo.tgz | sudo tar zx

(Você pode substituir o curl por wget -O -, se não tiver o curl na máquina.)

Se tudo deu certo, você agora deve conseguir rodar o comando chicken-doc pela linha de comando. Você pode rodá-lo sem parâmetros para ver todas as opções e exemplos de uso. A sintaxe básica é chicken-doc nome-da-função-ou-egg-de-interesse. Se houver mais de uma entrada com o mesmo nome na documentação, o chicken-doc lista todas as possibilidades. Por exemplo, se você rodar chicken-doc display, você verá algo como:

Found 3 matches:
(scheme display)           (display obj)
(allegro display display)  display
(allegro display)          display egg

A lista entre parênteses à esquerda é o caminho do item. Você pode rodar chicken-doc scheme display para ver a documentação do primeiro item, por exemplo. (Tecle q para sair do leitor.)

Note que a documentação do chicken-doc é basicamente um snapshot da wiki do Chicken. A mesma informação pode ser encontrada online (mas você pode achar o chicken-doc mais conveniente para pesquisar na documentação (eu acho, pelo menos)).

#!eof

Por hoje ficamos por aqui. No próximo post, deveremos ver as principais diferenças entre as construções das linguagens HtDP e os equivalentes em R5RS / Chicken (que também serve como uma introdução ao Scheme, para os leitores que não conheçam ou não lembrem das linguagens HtDP), algumas features novas, e uma introdução a programação funcional.

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