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Esperanto?

2012-05-16 20:16 -0300. Tags: lang, conlang, esperanto, em-portugues

O esperanto é uma língua criada no século 19 por um camarada chamado Zamenhof. A idéia do esperanto é ser uma língua regular, fácil de aprender e neutra (não pertencente a um povo específico), para servir como uma segunda língua comum a todo o mundo. A primeira publicação sobre a língua veio ao mundo em 1887, e o primeiro congresso internacional ocorreu em 1905. Estimativas do número de falantes atualmente variam de 100 mil a 2 milhões. Por qualquer estimativa, é a IAL mais falada hoje. O vocabulário da língua é baseado primariamente nas línguas latinas, com algumas contribuições germânicas e eslavas.

No Brasil, o movimento espírita é o principal difusor do esperanto, e foi por meio de parentes espíritas e suas relações transitivas que tomei conhecimento da língua. (A ligação com o espiritismo é meramente incidental, entretanto.) Quando tinha uns treze anos, fiquei curioso sobre a língua e resolvi pesquisar nas Internets a respeito. Encontrei um portal de cursos online muito bom, e comecei a aprender a língua por lá. Em cerca de seis meses, estava falando a língua competentemente. Quando tinha uns 14 ou 15 anos, fui convidado a participar do Verda Kafo, um evento esperantista que ocorre todo mês em Porto Alegre. Comecei a comparecer no Verda Kafo regularmente. Participei de alguns eventos promovidos pela Associação Gaúcha de Esperanto. Tentei dar um curso de esperanto no colégio, que contou com uns três participantes e não passou da terceira aula. Todos comemora.

Em 2008, problemas pessoais me levaram a me isolar um pouco (mais) do mundo e perder um pouco (mais) da minha esperança na humanidade. Deixei de ir ao Verda Kafo e outros eventos. Longe do movimento esperantista, lancei sobre o esperanto um olhar mais crítico, difícil de se ter quando se está contagiado pela euforia do movimento esperantista, rodeado de um bando de gente com ideais semelhantes aos seus. O esperanto, no geral, é uma língua muito bem feita, mas possui diversos "pequenos probleminhas" que contribuem para a aversão à lingua e a desistência de potenciais falantes. Qualquer pequeno probleminha é desculpa suficiente para não se aprender a língua, que, ademais, é "uma língua que ninguém fala". (O fato de que ela deixaria de ser uma língua que "ninguém" fala se mais pessoas a aprendessem é irrelevante. Ninguém tem tanto tempo livre para resolver o problema da comunicação internacional. (O fato de que é mais rápido aprender esperanto do que inglês também é irrelevante. O inglês, ademais, é "uma língua que todo o mundo fala".))

Da minha parte, eu me daria por satisfeito se houvesse alguma língua universal, fosse ela esperanto, inglês, latim ou sumério. No entanto, tenho contato com o inglês desde pequeno, e leio mais em inglês do que em português há uns seis anos, e mesmo assim nunca deixo de me surpreender com palavras e expressões idiomáticas novas nessa língua. Creio que o número de falantes fluentes de inglês no mundo deixe a desejar no quesito "universal", e creio que qualquer língua natural enfrentaria as mesmas dificuldades. Uma língua artificial construída sistematicamente com o intuito de servir à comunicação internacional me parece uma solução mais apropriada ao problema, e neste mundo o esperanto é a IAL com maiores chances de atingir adoção mundial, mesmo com seus pequenos problemas. Sinceramente não sei se um dia ele chega lá, entretanto. ("Se um dia o mundo chega lá" expressa melhor o alvo da minha descrença.)

Mas mesmo que o esperanto nunca venha a servir como língua universal, há pelo menos um bom motivo para aprender a língua: aprender esperanto ajuda a aprender outras línguas posteriormente: estudando esperanto, você será exposto a diversos conceitos gramaticais realizados de maneira regular, o que lhe ajudará a entender melhor esses conceitos. Em um experimento com estudantes de ensino médio na Europa, verificou-se que um grupo que estudou esperanto por um ano e francês por três terminou com um domínio melhor do francês do que um grupo que estudou francês durante os quatro anos. Aliás, se o esperanto tem alguma chance de se tornar uma língua universal, essa me parece uma das melhores estratégias de atingir esse objetivo: promove-se o esperanto como um meio de facilitar o aprendizado de outras línguas. Milhares de pessoas aprendem a língua dessa maneira, e então seguem aprendendo inglês e as outras línguas estrangeiras que pretendam aprender. A base de falantes de esperanto cresce, e de repente o mundo se dá conta de que uma boa porção da população mundial possui o esperanto como língua comum. Mais pessoas aprendem esperanto, as vantagens do esperanto como língua universal começam a se tornar evidentes, e finalmente a língua ganha adoção mundial oficial. Todos comemora.

E qual é que é dessa língua?

Apresentar-vos-ei uma introdução ao esperanto por meio de alguns exemplos.

La alta knabino legas malnovan libron atente.
La álta knabíno lêgas malnôvan líbron atênte.
A menina alta lê um livro velho atentamente.

La: é o artigo definido. Ele não flexiona, i.e., não há formas separadas para singular/plural, masculino/feminino, etc.; la = o, a, os, as.

alt-a: todo adjetivo em esperanto termina em -a. Adjetivos não possuem gênero (formas separadas para masculino/feminino).

knab-in-o: todo substantivo em esperanto termina em -o. knab- é um radical que significa "menino". -in- é um sufixo que deriva o feminino a partir de uma palavra masculina ou neutra.

leg-as: há seis tempos/modos verbais em esperanto:
presenteleg-as
passadoleg-islia, leu
futuroleg-oslerá
condicionalleg-usleria, lesse
volitivoleg-uleia
infinitivoleg-iler

Verbos não conjugam por pessoa: mi legas (eu leio), vi legas (você lê), ni legas (nós lemos), etc.

mal-nov-a-n: mal- é um prefixo que deriva o oposto de uma palavra; nova novo → malnova velho. A idéia por trás disso é reduzir o número de radicais que se tem que aprender para usar a língua. O -n é a marca do caso acusativo, que indica o objeto direto da frase. Em português, substantivos não têm marca de caso, mas alguns pronomes têm: em Ela me viu, me é o acusativo de eu. Em esperanto, assim como em latim e muitas outras línguas, substantivos, adjetivos e pronomes recebem a marca de caso. (Diferentemente do latim, só há dois casos em esperanto: o nominativo (sem -n) e o acusativo (com -n).) A marca de acusativo traz duas vantagens à língua:

libr-o-n: livro, no acusativo.

Vale notar que o "um" que aparece na tradução não consta no original; a ausência de artigo ou algo que o valha é suficiente para indicar indefinição: la knabino legas (a menina lê) vs. knabino legas (uma menina lê).

atent-e: trocando-se o -a final de um adjetivo por -e, deriva-se o advérbio correspondente: atenta (atento) → atente (atentamente).

Ŝiaj okuloj avide trakuras la paĝojn.
shíai okúloi avíde trakúras la pádjoin.
Seus olhos percorrem avidamente as páginas.

ŝi-a-j: O plural em esperanto é indicado por -j (que se pronuncia i, como semivogal). Ŝi significa "ela"; ŝi-a é o pronome possessivo correspondente (seu, dela); ŝi-a-j é o plural (seus).

okul-o-j: olhos, no plural.

tra-kur-i: percorrer: tra (através) + kuri (correr); "correr através de".

paĝ-o-j-n: páginas, no plural e no acusativo.

Afiksoj

Já mencionei o mal-, prefixo que deriva o oposto de uma palavra. O esperanto possui um sistema de derivação bastante completo que permite criar muitas palavras a partir de poucos radicais. Por exemplo:

Isso reduz bastante o número de palavras que se precisa aprender para usar a língua. Como os mecanismos de derivação são largamente regulares, freqüentemente compreende-se uma palavra nunca vista antes imediatamente. É comum criar palavras novas enquanto se está falando/escrevendo, e normalmente a palavra será prontamente compreendida pelo ouvinte/leitor.

Mais informações?

Comentários / Comments (6)

Esperanto Antauen, 2012-05-17 12:59:14 -0300 #

Isso é 'r'rídiculo, meo.


Vítor De Araújo, 2012-05-17 13:25:37 -0300 #

Lê o enunciado.


Maurice Farley, 2012-05-18 06:59:27 -0300 #

Parabéns Sr. Vitor.
Seu artigo está maravilhosamente escrito. Expressa sua opinião pessoal, lúcida e respeitável e no entanto cumpre com honestidade e beleza o dever de informar com clareza e imparcialidade sobre o Esperanto.


Vítor De Araújo, 2012-05-18 07:29:40 -0300 #

Dankon! :D


Cayo, 2012-05-24 13:43:15 -0300 #

Que excelente, cara. Não sabia que esperanto era tão excelente. Sugiro apêndice descrevendo as desexcelências do esperanto às quais aludes. Adeus.


Matheus de Lima Pereira, 2012-09-23 02:45:49 -0300 #

Gratulon, bonega artikoleto via...

Amike,
Matheus de Lima Pereira
Bakalauxrigxanto pri Fiziko:Astrofiziko cxe UFRGS.

P.S.: http://viridisstella.wordpress.com (pri Eo en Latino, tamen jxus komencita blogo)


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