Esses dias eu traduzi uma passagem do Zhuangzi (a primeira história do segundo capítulo), combinando elementos de diversas traduções para o inglês. Posto-a aqui para a posteridade.
Zi-Qi da Fronteira Sul estava sentado, debruçado sobre sua mesa baixa. Olhou para o céu e exalou lentamente – ausente e distante, como se tivesse perdido sua companhia. Yan Cheng Zi-You, que aguardava de pé diante dele, perguntou: "O que é isso? Pode o corpo tornar-se como madeira seca? Pode a mente tornar-se como cinzas extinguidas? O homem debruçado sobre a mesa agora não é aquele que estava debruçado antes!"
Zi-Qi disse: "Fazes bem em perguntar, Yan. Eu acabo de perder a mim mesmo. Entendes isso? Podes ter ouvido as flautas dos homens, mas não ouviste as flautas da Terra; podes ter ouvido as flautas da Terra, mas não ouviste as flautas do Céu."
Zi-You disse: "Aventuro-me a perguntar o significado disto."
Zi-Qi disse: "A Grande Massa [da natureza] emite um sopro vital, e seu nome é vento. Se ele não sopra, nada acontece; mas quando ele sopra, então as dez mil fendas ressoam ferozmente. Já não o ouviste soprar e soprar? Na floresta de uma montanha que se agita e chacoalha, há imensas árvores de cem palmos de largura com cavidades e aberturas, como narizes, como bocas, como ouvidos, como jarros, como copos, como vasos, como fissuras, como sulcos. O vento que sopra nelas ruge como ondas, assovia como flechas, berra, suspira, grita, ronca, geme, uiva. O vento à frente canta "yiii", o vento que segue canta "wuuu". Uma brisa leve produz uma pequena resposta; um vendaval produz uma grande resposta. E quando a ventania se acalma, a multidão de fendas torna-se vazia. Já não viste esse sacudir, esse chacoalhar?"
Zi-You disse: "As flautas da Terra são estas que acabaste de descrever; as flautas dos homens são tubos de bambu dispostos lado a lado. Aventuro-me a perguntar sobre as flautas do Céu."
Zi-Qi disse: "Os sons do sopro sobre as dez mil coisas são diferentes, mas ele apenas traz à tona as propensões naturais das próprias coisas, cada uma tomando para si o que lhe é apropriado; quem é que as sopra?"
Copyright © 2010-2024 Vítor De Araújo
O conteúdo deste blog, a menos que de outra forma especificado, pode ser utilizado segundo os termos da licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International.
Powered by Blognir.