Em português, palavras terminadas em -ão têm três possíveis terminações de plural diferentes: -ães (cão → cães), -ãos (mão → mãos) e -ões (leão → leões).
Como é que pode isso?
Esse é mais um caso em que olhar para o espanhol pode nos dar uma idéia melhor do que está acontecendo. Vamos pegar algumas palavras representativas de cada grupo e ver como se comportam os equivalentes em espanhol:
Singular | Plural | |||
---|---|---|---|---|
Português | Espanhol | Português | Espanhol | |
-ães | cão | can | cães | canes |
capitão | capitán | capitães | capitanes | |
alemão | alemán | alemães | alemanes | |
-ãos | mão | mano | mãos | manos |
irmão | hermano | irmãos | hermanos | |
cidadão | ciudadano | cidadãos | ciudadanos | |
-ões | leão | león | leões | leones |
nação | nación | nações | naciones | |
leão | león | leões | leones |
O que nós observamos é que em espanhol, cada grupo de palavras tem uma terminação diferente tanto no singular (-án, -ano, -ón) quanto no plural (-anes, -anos, -ones), enquanto em português, todas têm a mesma terminação no singular (-ão), mas terminações distintas no plural (-ães, -ãos, -ões). A relação entre as terminações no plural em espanhol* e português é bem direta: o português perdeu o n entre vogais (como já vimos acontecer no episódio anterior), mas antes de sair de cena o n nasalizou a vogal anterior, i.e, anes → ães, anos → ãos, ones → ões.
Já no singular, as três terminações se fundiram em português. O que provavelmente aconteceu (e eu preciso arranjar mais material sobre a história fonológica do português) é que o mesmo processo de perda do n + nasalização ocorreu com as terminações do singular (i.e., algo como can → cã, mano → mão, leon → leõ), e com o tempo essas terminações se "normalizaram" na terminação mais comum -ão. Como conseqüência, o singular perdeu a distinção entre as três terminações, enquanto o plural segue com três terminações distintas.
_____
* Tecnicamente eu não deveria estar partindo das formas do espanhol para chegar nas do português, mas sim partir da língua mãe de ambas, i.e., o dialeto de latim vulgar falado na Península Ibérica. Porém, nesse caso em particular o espanhol preserva essencialmente as mesmas terminações da língua mãe, então não há problema em derivar diretamente as formas do português a partir das do espanhol.
Vejam só uma peculiaridade que acabei de descobrir:
https://www.priberam.pt/dlpo/ver%C3%A3o
"Plural: verãos ou verões."
'Verãos' seria a forma etimologicamente esperada (cf. 'verano' em espanhol), mas em algum momento a forma 'verões' deve ter se tornado mais comum.
Outra curiosidade não-relacionada no verbete:
"verão de S. Martinho
• Tempo quente nos dias à volta do dia 11 de Novembro."
Aparentemente é o equivalente europeu do veranico de maio.
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Étienne de Vignnolles, dit La Hire, 2017-08-22 18:48:33 -0300 #
1) https://youtu.be/wAYVGEnigKI?t=7
2) Existe algum registro confiável do latim vulgar ibérico escrito?
3) Buscad "conversa incorrupta" http://purl.pt/24847/4/tr-4552-p_PDF/tr-4552-p_PDF_24-C-R0150/tr-4552-p_0000_1-338_t24-C-R0150.pdf (que waior excelência!)
4) Se tiver coragem: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_obrasraras/or633602/or633602.html#page/9/mode/1up