Elmord's Magic Valley

Computers, languages, and computer languages. Às vezes em Português, sometimes in English.

Fim do mundo?

2012-05-26 03:53 -0300. Tags: misc, em-portugues

Para a decepção generalizada, o mundo não acaba em 2012, pelo menos não segundo qualquer predição maia.

Os maias usavam dois calendários para a contagem comum de dias, também usados pelos astecas e outros povos mesoamericanos: o Haab' e o Tzolk'in.

O Haab' é um ciclo de 365 dias, divididos em 18 meses de 20 dias, mais cinco "dias sem nome", considerados dias de azar. Os maias tinham conhecimento de que o ano solar é mais longo do que 365 dias, mas não se davam ao trabalho de inserir dias extra no calendário para compensar a diferença; ao invés disso, eles preferiam calcular a divergência na mão quando necessário. (De fato, a estimativa maia, de que 1508 anos do Haab' correspondem a 1507 anos solares, é mais precisa do que a correção do ano bissexto usada no calendário gregoriano.)

O Tzolk'in é formado por um ciclo de 13 dias numerados e um ciclo de 20 dias com nomes próprios. Os dois ciclos andam em paralelo, o que produz 13×20 = 260 combinações diferentes (já que 13 e 20 são coprimos); após 260 dias, as combinações começam a repetir. Por que diabos os mesoamericanos usavam um ciclo de 260 dias é uma boa pergunta. Especulações não faltam; uma delas é de que 260 dias é aproximadamente a duração de uma gestação.

O Haab' e o Tzolk'in andam em paralelo, produzindo um ciclo que se repete a cada mmc(365, 260) = 18980 dias, ou 52 anos do Haab'. Esse ciclo é chamado de "volta do calendário". (Os astecas acreditavam que a cada final de ciclo de 52 anos o mundo corria o risco de acabar, e sacrificavam um camarada para satisfazer os deuses. Na verdade eles sacrificavam um camarada por basicamente qualquer coisa, but I digress.)

Esses calendários são todos cíclicos: eles simplesmente repetem depois de um período de tempo, e portanto não servem para datar eventos históricos. Para isso, os maias usavam um outro calendário, conhecido por Long Count. Similar ao relógio do Unix, o Long Count conta o número de dias desde "a data da criação": 11 de agosto de 3114 a.C. Os maias usavam um sistema de numeração de base 20: a posição menos significativa vale 200 = 1, a segunda 201 = 20, a terceira 202 = 400, etc., e cada dígito varia de 0 a 19. No contexto do calendário, entretanto, fazia-se com que o segundo dígito variasse apenas de 0 a 17, de modo que o peso do terceiro dígito fosse 20×18 = 360, e não 400, aproximando a duração do ano. Costuma-se transcrever as datas separando cada dígito por um ponto. Assim, a data deste post é 12.19.19.7.11:

      12 × 144000
    + 19 × 7200
    + 19 × 360
    +  7 × 20
    + 11 × 1
 ----------------
 1871791 dias desde a "criação"

O que acontece em 2012 é que em 20 de dezembro o calendário atinge o 12.19.19.17.19, e no dia seguinte vira para 13.0.0.0.0. O que, obviamente, representa o fim do mundo. Por quê? Porque dá mais dinheiro assim. Os maias nunca disseram que o mundo acaba ou sofre qualquer mudança no 13.0.0.0.0. De fato, os maias não tinham o hábito de predizer eventos arbitrários para o futuro: as "predições" que se costuma encontrar em monumentos são do tipo: "daqui a 10.11.10.5.8 dias, ocorrerá a 80ª volta do calendário desde a ascenção do camarada X ao poder". Isto é, quando os maias se referem ao futuro, normalmente é por meio de verdades absolutas (com toda certeza ocorrerá a 80ª volta do calendário na data especificada: é um fato matemático). Sendo assim, de onde saiu a idéia de que o 13.0.0.0.0 tem algum significado especial?

As fontes são duas. A primeira é que segundo o mito de criação contido no Popol Vuh, o mundo atual é na verdade a quarta criação; a criação anterior acabou em seu dia 12.19.19.17.19, e foi seguida pelo dia zero da criação atual, que corresponderia ao 13.0.0.0.0 da criação anterior. Daí extrapola-se que os maias acreditavam que a criação atual também terminaria no 12.19.19.17.19, embora isso não esteja dito em lugar nenhum, e embora algumas das "predições" de verdades absolutas dos maias caiam após o 13.0.0.0.0.

A segunda fonte é o monumento 6 em Tortuguero, que contém a única inscrição conhecida sobre o 13.0.0.0.0 da era atual. O texto parece sugerir que em 13.0.0.0.0 um deus descerá, contrariando a norma das predições maias de verdades matemáticas. Ou pelo menos era isso que se achava: analogia com textos com uma estrutura gramatical similar parece indicar que o evento do qual o texto trata é referente ao presente: à época em que o monumento foi erigido.

Logo, não há qualquer evidência de que os maias acreditassem que o mundo viesse a acabar em 2012. Se quisermos fim do mundo, teremos que providenciar nós mesmos.

A conclusão disso tudo é que se a próxima release do Firefox não se chamar Firefox 13.0.0.0.0, eu vou ficar decepcionado.

Comentários / Comments (3)

HCBF, 2012-05-26 15:21:52 -0300 #

Não tinha porque os maias acreditarem que esta criação acabaria, já que a crença dos povos indígenas do México e América Central era de que essa criação foi "a que deu certo", já que os homens desta criação foram feitos de milho, que é o próprio alimento dos deuses. (isso me lembra da frase "somos aquilo que comemos")


Vítor De Araújo, 2012-05-26 18:24:08 -0300 #

Muito bem observado...


Cayo, 2012-05-28 00:34:25 -0300 #

Ano passado teve um fim do mundo também, lembro, mas não foi tão grande quanto o fim do mundo de 1999. A grande questão será 1999 vs. 2012. (E qual vai ser o próximo?)


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