Histórias Ch'an

Estas histórias Ch'an/Zen encontravam-se originalmente em hsingsyn.dharmanet.com.br.

Índice

Prefácio
1. É o Vento ou a Bandeira que se Move?
2. Não Aceitando Responsabilidade
3. Nem Nobre Nem Plebeu
4. Uma Pérola Envolta em Trapos
5. Um Monge Chamado "Gota-D'água"
6. Meditando Sobre Urina Fétida
7. Por Favor, Tome Cuidado
8. Biscoito de Açúcar
9. Onde está o Buda agora?
10. Compaixão
11. Hui-k'o Pacificando sua Mente
12. Vinte por Cento de Desconto
13. Lágrimas de um Mestre Ch'an
14. I-Hsiu Coloca seu Sutra para Tomar Sol
15. Um Verdadeiro Assistente
16. Olhando Para Você com Olhos Piscantes
17. De Quem é a Culpa?
18. O Mercador de Óleo
19. Eu não sou Buda
20. Eu Também Tenho uma Linguagem
21. Pensando em Não Pensar
22. O Dharma não é Dual
23. Entendendo e não Entendendo
24. Não Autorizado a ser Mestre
25. A Vaca de Ferro Saltou sobre Hsin-lo
26. O General se Arrepende
27. Tudo está à mão!
28. A Vida ou a Morte, que Aconteça!
29. O Silêncio é Melhor que a Fala
30. O Monge Chefe
31. Implorando para Ajudar Outros
32. Um Par de Mãos Puras
33. Como Você Pode Entender?
34. A Maravilha do Picar e Bicar
35. Sem Outra Escolha a Não Ser Falar
36. Onde está o Monge Altamente Cultivado?
37. Nenhum Buda no Santuário
38. Um Bote Virado
39. Esquecendo as Palavras
40. Nem Perguntas nem Respostas
41. Esvazie sua Xícara
42. A Compaixão de um Mestre Ch'an
43. Bons e Maus Atos
44. Quem é Nossa Posteridade?
45. Qual é Sua Queixa?
46. O Que é a Mente do Buda?
47. Um Feixe de Lenha
48. A Pérola Mani
49. Cartas de Uma Mãe
50. Vendendo Gengibre Cru
Glossário

Prefácio

Se, em nosso lar, fizermos arranjos de algumas flores elegantes e aromáticas em uma sala de estar limpa e cômoda, elas exalarão vitalidade e vigor. Se pendurarmos a pintura de uma paisagem chinesa numa parede branca e espaçosa, representando cumes e picos velados pelas nuvens e pela neve, ela parecerá envolver montanhas e rios. Igualmente, se adicionarmos algum condimento a um apetitoso prato, ele se tornará mais saboroso. O Ch'an é justamente como as flores, a pintura e o condimento! Quando a vida é complementada pelo aroma do Ch'an, o significado dela será compreendido mais claramente. Como afirma um poeta: "A lua, fora da janela, é sempre a mesma, mas parece mais brilhante quando as flores da ameixeira estão desabrochando".

Vivendo em nossa sociedade contemporânea, movimentada, intensa, turbulenta e caótica , necessitamos achar algo que possa acalmar nossas mentes impetuosas. O Ch'an é indubitavelmente esta força; ele pode libertar-nos da ansiedade e preocupações, bem como exercer um efeito calmante sobre nossas mentes e almas. O Ch'an reflete a sabedoria, o humor e a compaixão. Ele pode prevenir a formação de pensamentos de desejos e de contrariedades. Guiados pela tranqüilidade, humor, profundidade e natureza liberadora do Ch'an, não ficaremos contrariados com palavras rudes, condutas incorretas ou lembranças dolorosas do passado. Elas simplesmente se desvanecerão como a névoa ou a fumaça.

O Ch'an eleva a vida ao nível da arte. Ele manifesta a perfeição da vida revelando a natureza original que subjaz todos os fenômenos. O refinamento do ensino do Ch'an não está confinado aos templos, nem é para ser apreciado somente por monges e monjas. Ele pertence a cada família e a cada ser humano. Todos necessitam de sua sabedoria, espontaneidade, liberdade e ética em suas vidas diárias.

Solicitado pelos budistas residentes tanto em Taiwan como no exterior, recentemente tenho tentado esclarecer as profundas implicações do Ch'an. Também tenho um programa sobre um importante trabalho da Escola Ch'an – "O Sutra Plataforma do Sexto Patriarca" — na televisão Taiwanesa. As reações sobre o programa têm sido entusiásticas, indicando que pessoas de todos níveis anseiam pelos ensinamentos do Ch'an. Assim, fui convidado para escrever diariamente um kung-an para o Evening News. Durante um ano, mais de trezentos artigos foram escritos. Foram coletados e publicados sob o título Hsing Yun's Ch'an Talk. Simultaneamente, os artigos foram reeditados no World Journal Daily News, que é distribuído tanto nos Estados Unidos como na Tailândia. Foi sugerido que Hsing Yun's Ch'an Talk fosse feito em um programa de televisão, para que mais pessoas pudessem apreciar as qualidades liberadoras do Ch'an. O programa "Hsing Yun's Ch'an Talk" fez sua estréia em abril de 1986. Até o presente, mais de duzentos episódios já foram apresentados.

Uma vez que os comentários que compreendem este relato foram escritos e filmados durante os intervalos de minhas viagens, eles estão longe da perfeição. Minhas Palestras continuarão a ser filmadas e publicadas, e espero que as partes insatisfatórias sejam revisadas. Felizmente o Ch'an evita escrituras dogmáticas, pois suas conotações alcançam um sentido além das palavras. Eu espero que os leitores possam ler nas entrelinhas e apreciar os efeitos sutis, contudo profundos, e as implicações do Ch'an que possam ser incorporados em suas próprias vidas.

Já estava ansioso para oferecer estas histórias ao público de língua inglesa, através de traduções, para que mais pessoas tivessem a oportunidade de apreciar a sabedoria do Ch'an. Embora, estes espirituosos kung-ans possam ser apreciados sem qualquer conhecimento prévio e mais profundo da filosofia budista, notas de rodapé e glossários de chaves da terminologia foram anexados ao texto original para enriquecer a experiência. Assim, este volume serve como uma introdução apropriada para as maravilhas do Ch'an. Uma tentativa foi feita para resguardar a introdução de novas palavras dentro de limites razoáveis. Foram usados certos termos chineses e sânscritos pela falta de melhores traduções em inglês. Sinais diacríticos para alguns termos sânscritos foram conservados, enquanto que palavras que constam no dicionário de inglês padrão aparecerão sem as marcas.

Este volume representa os esforços combinados de muitos indivíduos trabalhando em torno de um objetivo comum de preparar o texto para o público da língua inglesa. Eu gostaria de aproveitar esta oportunidade para agradecer a todos que participaram da tradução, revisão, leitura de prova e trabalhos de edição que tornaram possível a publicação deste livro.

Hsing Yün
Abril, 1991
Los Angeles, Califórnia

Comentários: Venerável Mestre Hsing Yün
Tradução: Thalysia de Matos Peixoto Kleinert e Moacir Mazzariol Soares


1. É o Vento ou a Bandeira que se Move?

Após herdar o manto e a tigela1, o Mestre Ch'an Hui-nêng escondeu-se entre um bando de caçadores por cerca de dez anos. Quando o tempo estava maduro, ele começou a ensinar o Dharma.

Um dia, Hui-nêng chegou ao Templo Fa-hsing e viu dois monges discutindo calorosamente em frente a uma bandeira. Hui-nêng aproximou-se deles, ouvindo seus argumentos. Um dos monges disse: "Se não há vento, como pode a bandeira se mover? Portanto, digo, é o vento que se move".

O outro retrucou: "Se não há bandeira, como pode você saber que é o vento que se move? Assim eu digo que é a bandeira que está se movendo."

Cada um insistia que seu próprio ponto de vista era o correto.

Após herdar o manto e a tigela1, o Mestre Ch'an Hui-nêng escondeu-se entre um bando de caçadores por cerca de dez anos. Quando o tempo estava maduro, ele começou a ensinar o Dharma.

Um dia, Hui-nêng chegou ao Templo Fa-hsing e viu dois monges discutindo calorosamente em frente a uma bandeira. Hui-nêng aproximou-se deles, ouvindo seus argumentos. Um dos monges disse: "Se não há vento, como pode a bandeira se mover? Portanto, digo, é o vento que se move".

O outro retrucou: "Se não há bandeira, como pode você saber que é o vento que se move? Assim eu digo que é a bandeira que está se movendo."

Cada um insistia que seu próprio ponto de vista era o correto.

Hui-nêng os interrompeu e disse: "Por favor, não há necessidade de discutir. Eu gostaria de esclarecer o assunto para vocês. Não é nem o vento nem a bandeira que se move. São suas próprias mentes que estão se movendo."

Nesse kung-an podemos ver que a maneira de um Mestre Ch'an olhar um fenômeno não está limitada às aparências externas. Os Mestres Ch'an olham as coisas através do olho da mente.

Nossos pontos de vista diferem por causa de nossas mentes discriminativas. Quando nossas mentes estão quietas, todas as coisas estão em paz. Quando nossas mentes se movem, surgem várias distinções. Para alcançar o estado no qual a tranqüilidade e a não-tranqüilidade se harmonizam, temos que erradicar de nós mesmos todos os pensamentos discriminativos. Somente, então, a plenitude e a quietude do nirvana serão realizadas.

1. Herdar o manto e a tigela significa tornar-se um sucessor na linhagem dos patriarcas Ch'an, que começou com Bodhidharma, que foi considerado o primeiro patriarca na China e o vigésimo oitavo patriarca na linhagem traçada a partir do discípulo de Buda, Mahakashyapa.


2. Não Aceitando Responsabilidade

Tarde da noite, o Mestre Ch'an Li-tsung parou em frente do dormitório dos monges e gritou: "Ladrão! Ladrão!"

Todos despertaram por causa do barulho. Instantaneamente, um monge saiu correndo do dormitório. O Mestre Ch'an Li-tsung agarrou-o e exclamou: "Apanhei-o! Eu agarrei o ladrão!"

O monge protestou: "Mestre, o senhor agarrou a pessoa errada! Eu não sou um ladrão!"

Li-tsung não o soltou e gritou: "Sim, você é! Por que você não admite?"

O monge estava tão aflito, que não sabia o que fazer. O Mestre Li-tsung recitou um verso:

Trinta anos no Lago Hsi-tzu,
As duas refeições aumentaram nossas forças.
Você escalou a montanha por nada!
Posso perguntar, você entendeu ou não?

Há um ditado budista que diz: "Agarrar um ladrão da montanha é fácil, mas agarrar o ladrão2 da mente é muito difícil". Em nossa vida diária geralmente usamos nossos olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente para procurar os prazeres da cor, som, olfato, paladar, tato e pensamento, respectivamente. Desta forma, surge a nódoa e o sofrimento.

O propósito de praticar o Dharma fazendo refeições diariamente por trinta anos foi o de dominar o ladrão da mente. Se pudermos entender isto seremos capazes de ir à montanha para praticar e assim poderemos agarrar o ladrão de nossas mentes, este seria na verdade o verdadeiro Dharma! O caminho do Mestre Li-tsung ao testar o monge foi verdadeiramente uma manifestação de grandeza dos mestres Ch'an.

Ladrões rondam dia e noite,
Fora da porta de nossas seis raizes3;
Se sairmos para as ruas por nada,
Quem assumirá a responsabilidade quando o problema surgir?

Como poderemos proteger as portas de nossas seis raízes dia e noite, para que elas não se percam? Esta tarefa não deverá ser negligenciada por um praticante Ch'an.

2. O ladrão da mente é que dá origem aos nossos enganos e ignorância.
3. As seis raízes são os seis órgãos dos sentidos reconhecidos pelo budismo; são eles, nossos olhos, orelhas, nariz, língua, corpo e mente.


3. Nem Nobre Nem Plebeu

Quando o Mestre Ch'an Kuang-yung foi visitar pela primeira vez o Mestre Ch'an Yang-shan, este perguntou: "Qual é o propósito de sua visita?"

Kuang-yung respondeu: "Eu vim para prestar meus respeitos ao Mestre".

Então Yang-shan perguntou: "Você viu o Mestre?"

Kuang-yung replicou: "Sim, eu o vi".

"O Mestre se parece com um burro ou com um cavalo?"

Kuang-yung respondeu: "Eu acho que o Mestre não se parece nem com o Buda!"

Yang-shan insistiu: "Se o Mestre não se parece com o Buda, então com que ele se parece?"

Kuang-yung respondeu: "Se ele se parece com alguma coisa, então ele não seria diferente de um burro ou de um cavalo".

Surpreso, Yang-shan declarou: "Deveríamos esquecer a diferença entre um Buda e uma pessoa comum e superar todas as paixões. Então a nossa verdadeira natureza brilharia. Em vinte anos, ninguém será capaz de ultrapassá-lo. Cuide-se!"

Mais tarde, O Mestre Yang-Shan contou a todos: "Kuang-yung é um Buda vivo."

Qual é o significado deste kung-an? Se alguém nos pede para descrever com que uma pessoa se parece, seria muito complicado dar uma resposta. Para que uma pessoa se pareça com alguma coisa, existem limites para certas outras que ela não se parece.

Como afirma o Sutra Diamante: "Todas as formas são ilusórias... se alguém vir que todas as formas não são formas, ele verá o Tathagata."

Com que se parece o vazio? O vazio não tem forma, e ainda, não há forma com que o espaço vazio não se pareça. E porque o vazio não tem forma ele pode conter tudo e pode se assemelhar a tudo.

O Mestre Yang-shan e o Mestre Kuang-yung estavam discutindo com o que o Mestre se parecia, se ele não se parecia com um burro nem com o Buda. Bem, ele se parece com ele mesmo. Somente quando virmos a nossa verdadeira natureza, nós nos tornaremos um com o espaço vazio. Se esquecermos a distinção entre uma pessoa comum e um Buda, então veremos a verdadeira não-forma.


4. Uma Pérola Envolta em Trapos

Um dia o Primeiro Ministro P'ei-hsiu foi para o Templo Ta-an e perguntou aos monges: "Os dez grandes discípulos de Buda foram todos excepcionais em diferentes áreas. Em qual área Rahula4 se sobressaía?"

Todos pensaram que esta questão fosse fácil, assim, todos responderam: "Ele foi excepcional em práticas esotéricas".

P'ei- hsiu não ficou satisfeito com esta resposta, perguntando então: "Existe aqui algum Mestre Ch'an presente?"

Naquele momento o Mestre Ch'an Lung-ya estava trabalhando na horta, então os monges convidaram-no a se juntar a eles. P'ei-hsiu repetiu a pergunta: "Em que área Rahula se sobressaía?"

Sem qualquer hesitação o Mestre Lung-ya respondeu: "Não sei!"

P'ei-hsiu ficou satisfeito, prostrando-se imediatamente diante de Lung-ya, louvando-o, exclamou: "Uma pérola envolta em trapos!"

Todos tinham ouvido dizer que Rahula fora excepcional em práticas esotéricas. Já que eram esotéricas, como podiam os monges alegar quais seriam elas? Portanto, P'ei-hsiu sentiu que a resposta do Mestre Lung-ya: "Não sei!" tinha sido muito mais legítima. Em contrapartida, a resposta dada pelos outros monges não foi baseada na realidade, somente no ouvir dizer.

Se nós sabemos alguma coisa, então nós a conhecemos. Se não conhecemos, então não sabemos. Conhecendo-se ou não, o conhecimento não é alguma coisa que se possa pretender.

Sabedoria e moral são de certo modo diferentes. Você tem um pouco de moral e quer aparentar ser exteriormente o que não é.

Com a sabedoria é diferente. O que é, realmente é. Não é possível fingir ser outra coisa.

O Mestre Lung-ya, mesmo trabalhando duro na terra, com vestes rasgadas e sujas, era uma pérola envolta em trapos.

Diante disto, os praticantes, envergonhados, enrubesceram ao compreender que a bela aparência externa não é nada diante da verdadeira beleza interior.

4. Rahula, o filho de Buda, tornou-se um discípulo de Buda aos sete anos, e assim ele é considerado o protetor dos noviços.


5. Um Monge Chamado "Gota-D'água"

Um dia, o Mestre Ch'an I-shan estava tomando banho. Como a água estivesse muito quente, ele pediu a um de seus discípulos que trouxesse um balde de água fria.

O discípulo trouxe a água misturando-a à quente. Depois de temperá-la, ainda sobrou um pouco no balde, que ele jogou fora.

O Mestre não ficou muito contente com isto e disse: "Por que você é tão desperdiçador? Tudo neste mundo é útil. As coisas diferem somente em como são usadas, até mesmo uma gota de água, por exemplo. Se você usá-la para flores e árvores, então, não somente as flores e as árvores ficarão felizes, mas ela mesma não perderá seu valor. Uma simples gota d'água é muito valiosa. Você não deve desperdiçá-la."

Após ouvir o Mestre, o discípulo trocou seu nome para "Gota-D'água".

Mais tarde, quando Gota-D'água começou a ensinar o budismo, as pessoas perguntavam-lhe: "Qual é a coisa mais importante no mundo?"

"Gota d'água", respondia ele.

"O espaço vazio pode conter todas as coisas. E o que pode conter o espaço vazio?"

"Gota d'água!"

O Mestre Gota-d'água já se havia harmonizado com a gota d'água.O universo inteiro era sua mente. Desta forma, uma gota de água pode conter o ilimitado tempo e espaço.

Quantos méritos temos neste mundo? Há uma limitação. Não importa quão rico sejamos, quando esgotamos a provisão, ficaremos sem um centavo. Dinheiro, amor, vida -- a quantidade de cada uma destas coisas podem ser comparadas à uma conta de poupança no banco. Se esbanjarmos os méritos que temos, a conta logo se esgotará. Portanto, deveríamos usar nossos bens com parcimônia e não sermos perdulários. Mesmo uma simples gota d'água não deve ser esbanjada. Embora uma gota de água seja muito pequena, o vasto oceano é feito de gotas d'água.


6. Meditando Sobre Urina Fétida

O Mestre Ch'an Ts'ung-yüeh foi visitar o Mestre Ch'an Shou-chih. Após terem conversado um pouco, o Mestre Shou-chih começou a criticar Ts'ung-yüeh: "Apesar de você ser o Monge Chefe de Tao-wu Shan, você fala como um bêbado!"

Ts'ung-yüeh, enrubescido com o embaraço, replicou: "Por favor, seja compassivo e ensine-me!"

O Mestre Shou-chih perguntou-lhe: "Você já estudou com o Mestre Ch'an Fa-ch'ang?"

"Eu li e decorei seus ensinamentos, por isso não fui estudar pessoalmente com ele".

O Mestre Shou-chih perguntou novamente: "E com o Mestre Ch'an K'e-wen, você foi estudar?"

Desdenhosamente, Ts'ung-yüeh replicou: "K'e-wen? Ele é um louco! Ele arrasta um trapo que cheira a urina fétida. Ele não é um Mestre Ch'an!"

O Mestre Shou-chih disse solenemente: "O Ch'an está justamente aí! Vá e medite sobre urina fétida!"

Ts'ung-yüeh aceitou o conselho do Mestre Shou-chih e foi estudar com o Mestre K'e-wen. Ele finalmente alcançou a realização e retornou para agradecer o Mestre Shou-chih.

O Mestre Shou-chih perguntou-lhe: "O que você aprendeu com o Mestre K'e-wen?'

Ts'ung-yüeh respondeu respeitosamente: "Se não fosse seu conselho, minha vida teria sido desperdiçada. Por isso, eu voltei para lhe agradecer!"

O Mestre Shou-chih disse: "Agradecer-me pelo quê? Você deveria agradecer à urina fétida!"

Pessoas comuns sempre comentem o erro de julgar os outros pela aparência externa. Onde está o Ch'an? O Ch'an não se encontra necessariamente no que parece agradável ou belo. O olho da sabedoria pode ver o Ch'an mesmo num "trapo que cheira a urina fétida". É por isso que a flor de lótus cresce na lama, enquanto o ouro e as pedras preciosas se encontram cravados nas rochas.


7. Por Favor, Tome Cuidado

Um dia, quando o Mestre Ch'an Ling-hsün estava estudando com o Mestre Ch'an Kuei-tzung, subitamente decidiu partir e foi despedir-se do Mestre.

Kuei-tzung disse: "Para onde você vai?"

Ling-hsün respondeu: "Voltar para as montanhas".

"Você estudou aqui por treze anos. Agora que está nos deixando, eu contarei a você a essência do Dharma. Depois que você tiver feito as malas, venha me ver novamente."

Ling-hsün seguiu as instruções do Mestre deixando suas malas do lado de fora da porta quando foi vê-lo.

O Mestre Kuei-tzung acenou para ele: "Venha cá!"

Ling-hsün atendeu ao chamado.

O Mestre disse gentilmente: "O tempo está frio. Por favor cuide-se durante a viagem."

Após ouvir isto, Ling-hsün iluminou-se.

O que é a "Essência do Dharma" do Mestre Kuei-tzung? A mente de compaixão do bodhichitta, e do prajna, todas são mentes Ch'an.

Quando estudamos o Dharma, se pararmos no meio do caminho antes de terminá-lo, não estaremos aceitando responsabilidades por nossas ações.

A afirmação "O tempo está frio" demonstra a natureza solícita do Mestre Kuei-tzung. Outros cuidam de nós; como podemos não cuidar de nós mesmos? "Por favor cuide-se durante a viagem" -- estas poucas palavras de encorajamento permitiram a Ling-hsün reconhecer seu próprio eu.

Algumas vezes, apesar das leituras de milhares de sutras, ainda não conseguimos sequer nos abeirar do Ch'an. Outras vezes, umas poucas palavras ou uma ação não intencional pode nos levar a ver nossa verdadeira face.

O cuidado compassivo demonstrado pelo Mestre Kuei-tzung veio do fato dele ter convivido e instruído Ling-hsün durante treze anos, enquanto a realização de Ling-hsün foi devida ao amadurecimento de sua própria prática. De acordo com o provérbio Chinês: "Se o arroz não está cozido, não abra a tampa. Se o ovo chocado não está na hora, não o abra". Quando alguém está pronto, está pronto. A iluminação não é algo que possa ser forçada.


8. Biscoito de Açúcar

Um monge foi estudar com o Mestre Ch'an Tao-ming. O Mestre perguntou ao monge: "Que espécie de ensinamentos budistas você tem lido?"

O monge replicou: "Eu tenho lido o ensinamento Yogachara".

O Mestre perguntou: "Você pode fazer uma palestra sobre este assunto?"

O monge declarou: "Eu não me atrevo".

O Mestre Tao-ming apanhou um biscoito de açúcar, quebrou-o em dois, e perguntou: "Os três mundos não são nada mais que a manifestação da mente; os dez mil dharmas surgem da consciência. O que você diz sobre isto?"

O monge pasmou-se.

Tao-ming persistiu: "Isto deveria ou não ser chamado um biscoito de açúcar?"

O monge estava agora transpirando e respondeu nervosamente: "Deveria ser chamado um biscoito de açúcar".

O Mestre então perguntou a um noviço que estava perto: "Um biscoito de açúcar foi quebrado em dois pedaços -- o que você tem a dizer sobre isso?"

O noviço respondeu sem hesitação: "Os dois pedaços residem na mente".

O Mestre Tao-ming continuou: "Como você chama isto?"

O noviço replicou: "Um biscoito de açúcar".

O Mestre Tao-ming riu cordialmente e disse: "Você também pode fazer palestras sobre os ensinamentos de Yogachara!"

O método e a direção para estudar o Yogachara diferem do método para estudar o Ch'an. O idealismo do Yogachara enfatiza o entendimento e a análise, ao passo que o Ch'an não. Um adepto Ch'an foca diretamente a mente, alcançando o estado búdico olhando sua própria natureza. Os mestres Ch'an usam o humor em seus discursos e tratam as pessoas com bondade. Eles não gostam de mostrar uma expressão sisuda. Algumas vezes quando eles estão falando sobre o oriente, na verdade, estão se referindo ao ocidente. Algumas vezes, quando eles batem num estudante ou repreendem-no, na verdade, estão expressando sua bondade e amor.

Enquanto que um erudito do Yogachara emprega ampla explanação verbal para explicar o idealismo da doutrina, um praticante Ch'an somente tem que dizer "um biscoito de açúcar" e as implicações subjacentes são transmitidas. Apenas isto já é suficiente para expressar o significado de "Os três mundos não são nada mais que a manifestação da mente, os dez mil dharmas surgem da consciência".


9. Onde está o Buda agora?

Certa vez, O Imperador Shun-tzung perguntou ao Mestre Ch'an Ju-man: "De onde veio o Buda? Para onde ele foi? Se dissermos que o Buda mora neste mundo eternamente, então onde está o Buda agora?"

O Mestre Ju-man respondeu: "O Buda veio do eterno5 e retorna para a eterno. Sua verdadeira natureza6 é una com o espaço vazio. Ele habita num lugar onde existe a não-mente7. O ciente funde-se ao não-ciente. Aquele que habita funde-se ao que não-habita. Ele veio e partiu para o bem de todos os seres. O mar puro da verdadeira natureza é o seu corpo profundo que permanece eternamente. Isto deveria ser contemplado pelo sábio, cuidadosamente e não permitir o surgimento de qualquer dúvida!"

O Imperador Shun-tzung não estava convencido e disse: "O Buda nasceu num palácio e morreu entre duas árvores sala. Ele ensinou por quarenta e nove anos e disse que não expôs uma palavra do Dharma. As montanhas, os rios e oceanos, o sol e a lua, o céu e a terra -- tudo cessará de existir quando o tempo vier. Quem disse que não há nascimento nem morte? O sábio deveria ser capaz de captar claramente um entendimento disto."

Então o Mestre Ju-man explicou: "A essência do Buda é o não-ser, e somente quem se ilude fará distinções. Sua verdadeira natureza é una com o espaço vazio e não experimentará nem nascimento e nem a morte. Quando as condições certas estiverem presentes, o Buda nascerá. Quando as condições certas deixarem de existir, o Buda morrerá. Ele ensinou os seres em todos os lugares, da mesma forma que a lua é refletida em toda água. Ele não é nem permanente nem impermanente: ele não tem origem nem extinção. Ele não nasceu, nem nunca morreu. Quando alguém vê do lugar da não-mente, então não há Dharma a ser considerado".

Satisfeito com a resposta, o Imperador Shun-tzung demonstrou mais respeito pelo Mestre.

As pessoas usualmente dizem: "O Buda Amitabha está na Terra Pura do Ocidente. O Buda da Medicina está na Terra Pura do Oriente. Onde está o Buda Shakyamuni?" O Buda Shakyamuni está na Terra da Paz e Glória Perpétuas.

Quando pedem a um praticante Ch'an para explicar estas espécies de perguntas, a discussão resultante pode ser muito animada. Como percebermos com nossas mentes, vemos o mundo de nascimento e de morte. Este é o reino da manifestação do Buda como um ser físico. Se percebermos com a não-mente, então veremos o mundo do não-nascimento e da não-morte. Esta é a verdadeira natureza. A não-mente é a mente Ch'an. Somente através do uso de nossas mentes Ch'an seremos capazes de discernir o verdadeiro paradeiro do Buda.

"Quando as condições certas estiverem presentes, o Buda nascerá. Quando as condições certas deixarem de existir, o Buda morrerá". Este morrer não é a morte, melhor, o estado do nirvana. Na Terra da Paz e Glória Perpétuas, não há distinções nem sofrimentos e nem relatividade. É o mundo da felicidade onde se encontrará a verdadeira bem-aventurança.

5. O eterno refere-se àquilo que não está sujeito à co-produção condicionada, e existe fora do tempo.
6. A verdadeira natureza implica na incorporação da Verdade, o Absoluto.
7. A não-mente implica na sem-mente, sem pensamento, a mente real, imaterial, que é livre da ilusão.

10. Compaixão

Três irmãos, embora não fossem monges, eram budistas muito devotos. Juntos estavam viajando para visitar diferentes mestres Ch'an.

Um dia, eles ficaram com uma família de sete crianças cujo pai tinha acabado de falecer. No dia seguinte, quando os três irmãos estavam para partir, o mais moço disse para os outros dois: "Prossigam com suas viagens. Eu decidi ficar".

Os dois irmãos mais velhos não ficaram contentes com a decisão do mais jovem e partiram irritados.

Não seria muito fácil para a viúva educar as sete crianças, assim a decisão do irmão mais novo era de muita ajuda. Mais tarde, a viúva quis casar-se com ele, mas ele disse: "Seu marido morreu há pouco tempo. Não seria apropriado se nos casássemos tão cedo. Você deveria permanecer de luto por três anos antes de discutirmos nosso casamento".

Três anos mais tarde, a viúva propôs-lhe casamento outra vez. Ele replicou: "Se eu me casar com você agora, eu estaria desrespeitando seu marido. Por três anos, deixe-me ficar de luto por ele".

Após outros três anos, a viúva propôs-lhe novamente. Ele replicou: "Em consideração à nossa felicidade futura, fiquemos juntos de luto por seu marido por mais três anos, antes de nos casarmos".

Nove anos após a morte do marido, as crianças já tinham crescido. O irmão mais jovem sentiu que sua missão estava cumprida, e deixou a viúva para continuar sua busca espiritual.

Embora o irmão mais jovem tivesse deixado de receber lições de um mestre Ch'an, ele estava praticando o Ch'an ajudando a viúva e seus filhos. Ele não foi somente capaz de vencer as tentações mundanas como também transformar a profanação em pureza.

O Ch'an, se aplicado em nossas vidas diárias, seria como um barco no mar do sofrimento, como uma luz brilhando na escuridão. Ao mesmo tempo, serviria como um verdadeiro remédio para as doenças de nosso mundo.


11. Hui-k'o Pacificando sua Mente

Shen-kuang Hui-k'o viajou milhares de milhas para o Templo Shao-lin em Sung Shan, onde ele foi reverenciar Bodhidharma, esperando ouvir seus ensinamentos e tornar-se seu discípulo.

Como Bodhidharma estivesse meditando voltado para a parede, ele não prestou atenção a Hui-k'o, que permaneceu imóvel fora da porta. Estava nevando terrivelmente, e depois de um longo tempo, a neve chegara aos joelhos de Hui-k'o. Impressionado pela sinceridade de Hui-k'o, Bodhidharma inquiriu: Você ficou na neve por um longo tempo. O que você quer?

Hui-k'o replicou: "Eu gostaria apenas de pedir ao Mestre para abrir o Portão da Verdade e assim beneficiar a todos os seres".

"O maravilhoso caminho dos Budas não pode ser alcançado nem mesmo através de eras de grande esforço, nem mesmo praticando o impossível e tolerando o intolerável. Com sua mente impertinente, você está apenas gastando seu tempo em querer atingir o verdadeiro ensinamento".

Após ouvir este ensinamento, Hui-k'o cortou seu braço.

O Bodhidharma disse: "Os Budas esquecem seus próprios corpos por causa do Dharma. Agora que você cortou seu braço, o que você está procurando?".

"Minha mente não está pacificada, por favor ajude-me a pacificá-la!"

"Traga-me sua mente! Eu vou pacificá-la para você!"

Aturdido, Hui-k'o exclamou: "Eu não posso encontrar minha mente!"

O Bodhidharma sorriu e disse: "Eu já pacifiquei sua mente".

Neste instante, Hui-k'o ficou iluminado.

O Sofrimento é originalmente vazio, enquanto o karma negativo originalmente carece de natureza própria. Somente quando a consciência está quieta e quando não existem mais pensamentos ilusórios, alcançaremos a perfeita iluminação. Quando pudermos manter uma verdadeira mente que não esteja confusa, a Natureza Búdica brilhará instantaneamente.


12. Vinte por Cento de Desconto

Um filho foi ao Mestre Ch'an Fo-kuang para que ele executasse cânticos por seu falecido pai. Como o filho estivesse preocupado que a cerimônia pudesse ser muito cara, ele repetidamente perguntava o preço. O Mestre não estava contente com a sovinice do filho e replicou: "Custará dez onças de prata para cantar o Sutra Amitabha".

O filho exclamou: "Dez onças de prata! Isto é muito caro! E se me desse um desconto de vinte por cento? Oito onças, pode ser?"

O Mestre concordou.

Quando o cântico estava terminando, o Mestre murmurou: "Budas e Bodhisattvas das dez direções, por favor transfiram todos os méritos deste cântico para o falecido para que ele possa ir para a Terra Pura do Oriente".

O filho protestou: "Mestre, eu só tenho ouvido que as pessoas vão para a Terra Pura do Ocidente, mas eu nunca ouvi que elas fossem para a Terra Pura do Oriente".

O Mestre disse: "Custa dez onças de prata para transferir seu pai para a Terra Pura do Ocidente. Você insistiu em ter vinte por cento de desconto, assim, seu pai só pode ir para a Terra Pura do Oriente".

O filho replicou: "Neste caso, eu lhe darei mais duas onças. Por favor transfira meu pai para a Terra Pura do Ocidente".

Subitamente, o pai falou de seu caixão: "Seu avarento! Apenas porque queria economizar duas onças de prata, você me fez ir de lá para cá, do Oriente para o Ocidente. Você não sabe como isto é cansativo?".

O ensinamento budista não é uma mercadoria, por isso não deveríamos tentar chegar a um acordo como se estivéssemos fazendo um negócio. Segundo um sutra budista: "O mérito alcançado por fazer uma boa ação depende da intenção de quem a realiza e da virtude de quem recebe". Isto simplesmente implica que se você der dez dólares a alguém, a virtude alcançada será muito maior se esta pessoa usá-los de modo proveitoso ao invés de usá-lo de forma improdutiva ou destrutiva.

O budismo não tem preço. Não podemos determinar quanto mérito será obtido baseado nas suas contribuições monetárias, mas o nível de sinceridade pode determinar seu mérito.


13. Lágrimas de um Mestre Ch'an

Um dia, o Mestre Ch'an Kung-yeh viajava por uma estrada e encontrou alguns bandidos que queriam roubá-lo.

Lágrimas rolaram dos olhos do Mestre.

Os bandidos começaram a rir e exclamaram: "Que covarde!"

Então o Mestre Kung-yeh disse: Não pensem que estou chorando por sentir medo de vocês. Eu não temo nem mesmo o nascimento ou a morte. Eu tenho pena de vocês jovens. Vocês são fortes e saudáveis, contudo, em vez de fazer coisas benéficas para os outros, vocês prejudicam as pessoas, roubando-as. É claro que o que vocês estão fazendo não é aceitável e não pode ser tolerado pela sociedade. E o pior é que vocês irão todos para o inferno e sofrerão grande dor. Estou tão constrangido, que não posso evitar de derramar lágrimas por vocês".

Os bandidos ficaram comovidos e decidiram abandonar o caminho do mal.

Existem muitas espécies de lágrimas. Existem lágrimas de tristeza, lágrimas de felicidade e lágrimas de compaixão. As lágrimas do Mestre Kung-yeh eram lágrimas de compaixão, fluindo da compassiva mente Ch'an que limpa o mundo de sua vileza.


14. I-Hsiu Coloca seu Sutra para Tomar Sol

Um dia, o Mestre Ch'an I-hsiu, que estava vivendo em Pi-rui Shan, viu uma vasta multidão de seguidores budistas aglomerados na montanha porque os monges do templo estavam colocando seus sutras8 para tomar sol.

Havia uma superstição de que se o vento soprasse sobre os sutras levaria os problemas embora e transmitiria sabedoria. Assim sendo, muitas pessoas correram para Pi-rui Shan em busca destes benefícios. Após ouvir isto, o Mestre I-hsiu disse: "Neste caso eu também vou colocar meu sutra ao sol!". Ele tirou suas roupas e deitou-se ao sol. Alguns seguidores que viram I-hsiu, ficaram horrorizados com o seu comportamento.

Mais tarde, quando os monges do templo tomaram conhecimento do incidente disseram a I-hsiu que ele não deveria ter sido tão indecoroso.

I-hsiu então explicou sua atitude dizendo: "Os sutras que vocês estão colocando ao sol são mortos, estão bichados, ao passo que o que eu estou colocando está vivo; ele pode ensinar o Dharma, trabalhar e comer. Uma pessoa sábia deveria compreender que espécie de sutra é mais valioso!"

Apesar do comportamento de I-hsiu parecer ultrajante, ele implica que a sabedoria deve ser procurada dentro de nós mesmos.

Sutras são papéis impressos, mas, somente nossa mente verdadeira percebe o Dharma real. Porque não nos preocupar com nossas mentes em vez de um punhado de papéis? O sutra mais precioso não está impresso no papel, mas está contido em nossas mentes. Os sutras em nossas mentes geram todos os dharmas.

8. Os sutras eram periodicamente colocados ao sol para evitar os danos do mofo existente nas áreas úmidas das montanhas onde estavam localizados muitos monastérios e conventos.


15. Um Verdadeiro Assistente

Um dia, o Mestre Ch'an Shih-t'i viu seu assistente indo para a sala de jantar, levando uma tigela. Ele perguntou: "Para onde você vai?"

O assistente respondeu: "Para a sala de jantar!"

O Mestre Shih-t'i censurou-o dizendo: "Eu sei que você está indo para a sala de jantar".

"Se o senhor sabia, então por que me perguntou?"

Shih-t'i replicou: "Eu estou perguntando sobre a sua obrigação".

O assistente respondeu: "Se o Mestre pergunta sobre minha obrigação, então eu realmente estou indo para a sala de jantar".

Shih-t'i disse aprovando: "Você é verdadeiramente meu assistente!"

Qual é nosso dever? É o de realizar nossa natureza, para nos liberar do nascimento e da morte e retornar à nossa origem.

O Ch'an permeia a vida de um praticante Ch'an. Comer é Ch'an. Dormir é Ch'an. Andar, ficar de pé, sentar, deitar, cortar lenha e carregar água, tudo é Ch'an. O Ch'an não está limitado à nossa maneira de nos conduzir em nossa vida diária, mas ele também abarca todos os fenômenos do universo.

Se nós assumirmos nossas responsabilidades e refrearmos a procura de coisas que não são de direito nossas, então isto é a mente Ch'an.


16. Olhando Para Você com Olhos Piscantes

O Mestre Ch'an Yang-shan estava querendo testar o entendimento do Mestre Ch'an Chih-hsien sobre o Ch'an. Portanto, ele lhe disse: "Irmão no Dharma, o que você tem ganho com a meditação ultimamente?"

Chih-hsien respondeu: No ano passado, eu era pobre mas não era realmente pobre. Este ano, sou pobre e realmente pobre. Ano passado, eu era pobre, mas ainda tinha algum lugar para ficar. Este ano, eu sou tão pobre que não tenho nem mesmo onde ficar".

Yang-shan respondeu: irmão no Dharma, eu admito que você já tenha penetrado o Ch'an do Tathagata9, mas você ainda não entrou na porta Ch'an do Patriarca10".

Em resposta, Chih-hsien recitou um verso:

Eu recebo um ensinamento,
Olhando para você com olhos piscantes.
Se você não entende,
Não se considere um estudante do Caminho.

Yang-shan estava muito contente com o progresso de Chih-hsien e foi relatar o incidente ao seu mestre Ch'an Ruei-shan. Yang-shan disse: "Que maravilha! O irmão do Dharma Chih-hsien já entrou no Ch'an do Patriarca".

Ambos, Chih-hsien e Yang-shan, eram discípulos do Mestre Ch'an Pai-chang.

Durante a dinastia Tang, após a época do Sexto Patriarca Hui-neng, o Ch'an sofreu grandes mudanças. A primeira maior mudança foi iniciada pelo Mestre Ch'an Ma-tsu Tao-I que estabeleceu monastérios na floresta para acolher os praticantes Ch'an das dez direções, para que pudessem praticar como uma comunidade.

Mais tarde, O Mestre Ch'an Pai-chang Huai-hai estabeleceu as "Regras Puras", para que a comunidade monástica pudesse viver em harmonia. Seus discípulos divulgaram seus preceitos e ensinaram que não se deveria depender da linguagem escrita ou falada, mas pelo contrário confiar na mente cotidiana, que era o Caminho para o Estado Búdico.

Bater e gritar tornaram-se métodos aceitos de ensinamento. As contendas entre professor e estudante eram concisas e rápidas. Elas tornaram-se a essência do Ch'an dos Patriarcas Chineses, que diferiam consideravelmente do Ch'an do Tathagata da Índia.

"Eu sou tão pobre que não tenho nem mesmo onde ficar" simplesmente implica no não-apego ao Ch'an do Tathagata, enquanto que: "Olhando para você com olhos piscantes" seria uma representação do Ch'an dos Patriarcas.

9. O Ch'an do Tathagata refere-se à forma da prática contemplativa que era ensinada pelo Buda.
10. O Ch'an dos Patriarcas foi introduzido na China por Bodhidharma, que foi o primeiro patriarca. A base de seu ensinamento está além de qualquer doutrina e não confinada a qualquer comunicação escrita ou verbal. O Ch'an é transmitido diretamente da mente do mestre para a mente do discípulo. O Ch'an do Patriarca é o atingir da mente búdica por meio da qual o indivíduo procura sua própria natureza.


17. De Quem é a Culpa?

Um budista leigo estava andando pela margem do rio quando viu um barqueiro empurrando uma canoa em direção ao rio, para que ele pudesse atravessar alguns passageiros.

Aconteceu de um Mestre Ch'an passar por perto. O budista leigo aproximou-se do Mestre e perguntou: "Mestre, aquele barqueiro matou diversos caranguejos e camarões pequenos enquanto estava empurrando seu barco para o rio. A culpa é do passageiros ou é do barqueiro?"

O Mestre retorquiu sem hesitar: "A culpa não é nem dos passageiros nem do barqueiro!"

O budista leigo não entendeu, por isso perguntou novamente: "Se a culpa não é de nenhum deles, então de quem é?"

O Mestre replicou incisivamente: "A culpa é sua!"

O barqueiro tinha que ganhar a vida. Os passageiros tinham que atravessar o rio. Os caranguejos e camarões tinham que ter um lugar para se esconder. Portanto de quem era a culpa? A culpa era dos três. Ao mesmo tempo, a culpa também não era deles, porque todos três tinham "não-mente".

De acordo com as escrituras budistas: "Faltas que originalmente são não-existentes, são criadas pela mente. Quando a mente não origina pensamentos discriminatórios, nenhuma falta surgirá". Quando existe a "não-mente", como podem algumas faltas ser cometidas? Mesmo quando alguém cometeu um ato errado, ele seria cometido não intencionalmente. Faltas foram criadas pelo pensamento discriminatório do budista leigo. Não admira que o Mestre o tenha culpado.


Segunda Parte

18. O Mercador de Óleo

Um dia, quando o Mestre Ch'an Chao-chou estava a caminho para o Distrito T'ung-cheng, ele encontrou o Mestre Ch'an Ta-t'ung de T'ou-tzü Shan e perguntou: "É você que é o Mestre de T'ou-tzü Shan?"

Ta-t'ung acenando com sua mão apregoava: "Sal, chá, e óleo. Por favor comprem!"

Chao-chou ignorando-o, rapidamente continuou seu caminho para o templo. O Mestre Ta-t'ung seguiu atrás e chegou ao templo com uma garrafa de óleo na mão. Chao-chou disse a ele desdenhosamente: "Eu tenho ouvido falar do nome do grande Mestre Ta-t'ung de T'ou-tzü Shan por um longo tempo. Contudo, eu somente vejo um mercador de óleo".

Ta-t'ung contestou: "Eu também tenho ouvido falar que Chao-chou é um mestre Ch'an, mas de fato ele não difere em nada de uma pessoa comum. Você somente vê o mercador de óleo e não vê o verdadeiro T'ou-tzü11".

Chao-chou perguntou: "Por que você diz que eu sou uma pessoa comum? O que é T'ou-tzü?".

O Mestre Ta-t'ung levantou a garrafa de óleo e gritou: "Óleo! Óleo!"

O que é "T'ou-tzü?" perguntou Chao-chou para quem a única resposta foi "Óleo! Óleo!". Arroz, sal, chá e óleo -- os alimentos básicos da vida chinesa -- tal é o ensinamento do Mestre T'ou-tzü.

Tempos depois, antes de morrer, o mestre Ta-t'ung disse que voltaria se a stupa11a estivesse vermelha.

Cem anos depois, quando os discípulos consertavam a stupa encontraram sharira11b vermelha.

Nesse tempo, veio morar no templo, o mestre Yi Tching. Todos diziam que ele era a reencarnação do Mestre Ta-t'ung.

O mestre Yi Tching escreveu um poema na stupa:

As nuvens jamais podem ser aprisionadas
Grandes Montanhas Verdes não podem ser cobertas
Nas noites frias a luz do luar circunda a stupa
Na profunda noite de outono ouve-se apenas o sussurro dos pinheiros

Quem é T'ou-tzü?

É um mestre cujo ensinamento é tão próximo de nós como o sal, o arroz, chá e o óleo, indispensáveis à vida cotidiana.

11. Era uma prática comum entre os mestres Ch'an adotar o nome do lugar de onde eles eram, como as duas primeiras palavras de seu nome. Desde que o Mestre Ta-tung era de Tou-tzü Shan, seu nome tornou-se Tou-tzü Ta-tung, e ele poderia também ser chamado de Tou-tzü ou Ta-tung.
11b. Originalmente as stupas eram monumentos memoriais construídos para guardar restos mortais do Buda histórico e de outros Bodhisattvas. Elas também serviam como lembranças simbólicas de vários eventos importantes na vida do Buda Shakyamuni. A veneração de stupas, nas quais o Buda está "presente", tem sido conhecida desde os primórdios do budismo. Tal veneração é feita por circunvoluções na stupa no mesmo sentido do curso do sol. Todavia isto não quer dizer que as relíquias são veneradas, mas melhor dizendo, a stupa serve de suporte à meditação e como uma lembrança simbólica do estado desperto da mente.
11c. Relíquias do Buda Shakyamuni ou de outro Bodhisattva, comumente veneradas e preservadas em stupas.


19. Eu não sou Buda

Um erudito foi viver em um templo. Julgando-se brilhante, freqüentemente debatia com o Mestre Ch'an Chao-chou.

Um dia, ele perguntou ao Mestre: "O Buda era muito compassivo. Quando ele estava ajudando os seres sencientes, ele sempre tentava atender aos seus desejos. Qualquer coisa que desejassem, Buda tentaria satisfazê-los. É correto?"

O Mestre Chao-chou exclamou: "Sim!"

O erudito continuou: "Eu desejo muitíssimo ter a bengala que está em sua mão, mas não sei se meu desejo poderia ser atendido".

O Mestre Chao-chou recusou-lhe dizendo: "Um cavalheiro não toma pela força o que eles querem. Você entende?"

O erudito contestou: "Eu não sou cavalheiro".

"Nem eu sou um Buda!" gritou Chao-chou.

Em outra ocasião, quando o erudito estava sentado em meditação, Chao-chou passou por perto. O erudito olhou para o Mestre, mas não lhe deu atenção. Chao-chou o repreendeu dizendo: "Jovem, por que você não se levanta quando vê alguém mais velho?"

Ele replicou: "Sentado é o mesmo que estar em pé!"

O Mestre Chao-chou esbofeteou-o.

Enfurecido, o jovem erudito exigiu uma explicação.

O Mestre Chao-chou disse gentilmente: "Esbofeteá-lo é o mesmo que não esbofeteá-lo".

O jovem era um intelectual, enquanto o Mestre Ch'an era alguém que já tinha realizado a Verdade. Um intelectual não pode ser comparado com alguém que já tenha atingido a realização -- especialmente com alguém como Mestre Chao-chou, cujo Ch'an era vivaz, rápido, puro, e meticuloso.

Chao-chou não era tão apegado ao seu cajado que se recusasse a dá-lo. Simplesmente não gostou da maneira como lhe foi pedido pelo erudito.

O ato de Chao-chou esbofetear o erudito e sua observação "esbofeteá-lo é o mesmo que não esbofeteá-lo" deveria servir como uma lição para aqueles que ostentam seu conhecimento Ch'an sem ter realizado a Verdade!


20. Eu Também Tenho uma Linguagem

Quando o Mestre Ch'an Kuang-hui Yuan-lien começou a estudar o Ch'an, ele foi ao Mestre Ch'an Chen-chueh. Durante o dia ele trabalhava na cozinha, e à noite ele recitava sutras.

Um dia, O Mestre Chen-chueh perguntou-lhe: "Que sutra você está cantando agora?"

Yuan-lien respondeu: "O Sutra Vimalakirti".

Chen-Chueh perguntou: "O Sutra está aqui. Onde está Vimalakirti?"

Yuan-Lien não sabia como responder, assim ele perguntou ao Mestre Chen-chueh: "Onde está Vimalakirti?"

Chen-Chueh exclamou: "Se eu sei ou não, não posso lhe dizer!"

Yuan-lien sentiu-se tão envergonhado que deixou seu Mestre e foi aprender com mais de cinqüenta outros mestres Ch'an. Ainda assim, ele não conseguiu alcançar a realização.

Um dia, ele foi visitar Hsing-nien e perguntou: "Eu estou indo para a montanha do tesouro. O que eu deveria fazer se eu voltasse com as mãos vazias?"

O Mestre Hsing-nien declarou: "Cave o tesouro que está dentro de você!"

Yuan-lien alcançou a realização instantaneamente e disse: "Eu não tenho dúvidas sobre as linguagens dos mestres Ch'an".

Hsing-nien perguntou: "Por quê?"

Yuan-lien respondeu: "Eu também tenho uma linguagem".

Hsing-nien estava exultante e disse: "Você já realizou a essência do Ch'an".

Todos têm uma linguagem, mas nem todos sabem a sua maravilhosa função. A língua pode ser usada para falar. Uma palavra pode salvar um país. Uma palavra também pode destruir um país. Isto depende de como você sabe usar a sua língua. Alguns usam-nas para fazer o bem, enquanto outros usam-na para fazer o mal. Será que todos entendem a linguagem de um Mestre Ch'an?


21. Pensando em Não Pensar

Um dia, enquanto o Mestre Ch'an Wei-yen meditava, um monge que passava por perto olhou para ele e perguntou: "O senhor está sentado aqui imóvel como uma rocha. Em que o senhor esta pensando?"

O Mestre respondeu: "Eu estou pensando em não pensar".

O monge continuou: "Como o senhor faz isto?"

Wei-yen respondeu: "Não pensando."

Na realidade, pensar e não pensar parecem mutuamente contraditórios, ainda que exista uma implicação subentendida. O Ch'an não é meramente um assunto de entendimento de palavras. No ensino do Ch'an, as palavras são consideradas obstáculos para a realização. Apesar disso, através do entendimento delas, a essência que não pode ser verbalmente comunicada pode ser captada. O verdadeiro sabor do Ch'an somente pode ser experimentado quando alguém se desliga do entendimento intelectual.


22. O Dharma não é Dual

Um erudito Confucionista chamado Han Yu enfureceu o imperador por ter escrito uma censura, admoestando-o a não receber relíquias de Buda. Portanto, ele foi exilado para Chao-chou.

Enquanto estava lá, Han Yu foi visitar o Mestre Ch'an Pao-tung e perguntou: "Mestre, quantos anos o senhor tem?"

O Mestre levantou seu rosário e perguntou: "Você sabe?"

Han Yu respondeu: "Não, eu não sei".

Pao-tung acrescentou: "Dia e noite, 108".

Han Yu não queria que notassem que ele não havia entendido, assim ele foi embora.

No dia seguinte, Han Yu retornou. Encontrando o monge chefe do templo, ele contou-lhe a conversa que ele tivera com o Mestre Pao-tung e perguntou-lhe o que aquilo queria dizer.

Após ouvir o relato, o monge chefe tamborilou nos seus próprios dentes três vezes. Han Yu ficou ainda mais confuso. Ele procurou o Mestre Pao-tung e perguntou-lhe outra vez: "Mestre, quantos anos o senhor tem?".

O Mestre Pao-tung, também, tamborilou em seus dentes três vezes.

Subitamente, Han Yu pareceu ter entendido e disse: "Ah! O Dharma não é dual".

O Mestre Pao-tung perguntou: "Por quê?".

Han Yu respondeu : "O monge chefe deu a mesma resposta que o senhor".

O Mestre Pao-tung resmungou para si mesmo e disse: "O ensino do budismo e do Confucionismo não é dual. Você e eu somos o mesmo!"

Han Yu finalmente entendeu e mais tarde tornou-se um budista.

Han Yu inquiriu o Mestre sobre sua idade. Entretanto a idade física não é relevante. O que importa é tornar-se uno com a Natureza. Buda e a mente deveriam tornar-se um. Budistas e confucionistas deveriam chegar a um mútuo entendimento.

Quando o Mestre mostrou seu rosário e disse: "Dia e noite, 108", ele queria dizer que o tempo era limitado, e não havia necessidade dos budistas e confucionistas discutirem. Os dois deveriam cooperar e trabalhar juntos.


23. Entendendo e não Entendendo

Após ouvir os pontos de vista do Mestre Ch'an Shou-hsun, o Mestre Ch'an Fo-chien disse: "É uma pena que uma pérola tão brilhante tenha sido apanhada por este maluco". Ele continuou citando o poema do Mestre Ch'an Ling-yun: 'Sempre que vejo um pessegueiro em flor, não tenho dúvidas'. Por que Ling-yun não tinha dúvidas?"

Shou-hsun respondeu imediatamente: "Não diga que ele não tenha dúvidas; mesmo hoje, não conseguimos achar uma dúvida em parte alguma".

Fo-Chien perguntou, "Hsüan-sha disse: 'realmente esta nobre verdade é muito verdadeira, mas eu não posso compreendê-la totalmente!' O que era que ele não podia entender totalmente?"

Polidamente Shou-hsun respondeu: "nós podemos ver que o Mestre Ch'an Hsüan-sha tinha ótimas intenções". Ele continuou recitando o seguinte verso:

Olhando para o céu o dia todo sem levantar a cabeça,
Erguendo os olhos somente quando o pessegueiro floresce;
Mesmo se houver uma rede que cubra o céu,
Quando você atravessar o portão hermeticamente fechado, você
Se sentirá completamente livre.

O Mestre Fo-chien sentiu que o Mestre Shou-hsun estava iluminado, mas o Mestre Yuan-wu não pensava da mesma forma, e queria saber melhor quem era o Mestre Shou-hsun, por isso viajou com ele. Quando eles estavam às margens de um lago, o Mestre Yuan-wu empurrou-o dentro d'água e perguntou: "Antes que Niu-tou Fa-jung encontrasse o Quarto Patriarca, como é que ele era?"

Shou-hsun respondeu: "Quando o lago é profundo, os peixes se juntam".

Yuan-wu continuou: "O que acontece depois que eles se encontram?"

Shou-hsun respondeu: "As árvores altas aparam o vento".

"O que acontece quando ambos se encontram sem se encontrar?"

Shou-hsun respondeu: "O pé estendido está sobre o pé recolhido".

O Mestre Yuan-wu estava muito impressionado pelas respostas de Shou-hsun e ficou convencido de que Shou-hsun estava verdadeiramente iluminado.

A realização de um praticante Ch'an pode ser testada. Shou-hsun foi repetidamente testado; somente então foi reconhecido como um mestre Ch'an iluminado.


24. Não Autorizado a ser Mestre

O Mestre Ch'an Tou-shuai Ts'ung-yüeh tinha grande respeito pelo Mestre Ch'an Ch'ing-su.

Certa vez, Ts'ung-yüeh levava algumas líchias enquanto passava pela janela de Ch'ing-su. Ele parou e disse educadamente: "Mestre, estas frutas são de Kiangsi, minha cidade natal. Pegue algumas".

Ch'ing-su alegremente aceitou, dizendo: "Eu nunca mais comi líchias desde que meu mestre morreu"

Ts'ung-yüeh perguntou: "Quem foi seu mestre?"

"O Mestre Tzu-ming. Eu fui seu subordinado por treze anos".

Ts'ung-yüeh ficou surpreso em ouvir isto e exclamou: "Após ter sido seu assessor por treze anos, o senhor deve ter herdado seus conhecimentos".

Ele então ofereceu todas suas líchias ao Mestre Ch'ing-su.

Ch'ing-su disse com gratidão: "Como não acumulei mérito suficiente, meu mestre instruiu-me a não transmitir o que eu tinha aprendido com ele. Agora vejo que você é muito sincero e pela amizade que fizemos por causa dessas líchias, farei uma exceção. Conte-me o que você realizou".

Ts'ung-yüeh contou então a Ch'ing-su quem o instruiu: "Tanto o Buda como o demônio existem neste mundo. No momento da liberação devemos entrar no caminho de Buda e não no caminho do demônio".

Após confirmar a realização de Ts'ung-yüeh, o Mestre Ch'ing-su avisou-o: "Hoje eu confirmei sua realização para que você possa alcançar a verdadeira liberação. Contudo, você não deveria contar às pessoas que você herdou meus ensinamentos. O Mestre Chen-ching Ke-wen é seu professor".

Para aprender o Dharma, primeiro temos que criar as condições certas. Até líchias pode contribuir para a nossa iluminação. "O Dharma somente pode ser procurado através do respeito". O respeito de Ts' ung-yüeh pelos mais idosos contribuiu para sua realização.

Gratidão também era uma virtude dos antigos. Por causa da gratidão pela oferta de umas poucas líchias, o Mestre Ch'ing-su confirmou a realização de Ts'ung-yüeh.

O conselho dado a Ts'ung-yüeh pelo mestre Ch'ing-su de que ele considerasse o Mestre Chen-ching Ke-wen como seu professor demonstrava o respeito e a confiança que os mestres Ch'an têm um pelo outro.


25. A Vaca de Ferro Saltou sobre Hsin-lo

Após ler A Memória de Tung-shan, o assistente do Mestre Ch'an Fa-ch'ing estava profundamente emocionado e disse: "É realmente estranho como os antigos consideravam o nascimento e a morte".

O Mestre Fa-ch'ing respondeu: "Quando eu morrer, lembre-se de chamar meu nome. Se eu voltar à vida, isto significa que fui liberado do nascimento e da morte. Não há nada de estranho nisto". O Mestre então escreveu um verso:

No quinto dia do quinto mês,
Os quatro grandes elementos devem deixar seu possuidor.
Meus ossos brancos serão levados pelo vento,
Nenhuma terra do benfeitor será desperdiçada.

No quinto dia do quinto mês do calendário lunar, o Mestre Fa-ch'ing deu todas as suas roupas e pertences para que seu assistente distribuísse entre os outros monges. À meia noite, o Mestre sentou-se com as pernas cruzadas; o batimento de seu coração e sua respiração pararam. Lembrando as instruções do Mestre, o assistente gritou: "Mestre! Mestre!"

Finalmente, o Mestre Fa-ch'ing abriu os olhos e perguntou: "O quê?"

"Mestre, por que o senhor não vestiu suas roupas antes de partir?"

Fa-ch'ing disse: "Quando vim pela primeira vez, eu não trouxe nada!"

O assistente teimou em ajudar o Mestre a colocar suas roupas.

"Não se pode deixar nem um pedacinho para a posteridade."

O assistente perguntou: "O que o senhor pretende fazer a este respeito?"

Fa-ch'ing disse: "Não se preocupe" e cantou:

Setenta e três anos passaram-se como um raio,
Antes de partir, eu deixo a você uma última mensagem.
Quando a vaca de ferro saltou sobre Hsin-lo12,
O espaço vazio foi partido em sete ou oito pedaços.

Em seguida, ele morreu.

Os mestres Ch'an estão sujeitos ao nascimento e à morte; contudo, eles se sentem à vontade quando se deparam com qualquer um deles. Com mãos vazias eles vieram ao mundo e com mãos vazias eles deverão deixá-lo. Esta é a verdadeira liberação.

12. Hsin-lo foi um dos três reinos da antiga Coréia.


26. O General se Arrepende

Um dia, o Mestre Ch'an Meng-ch'uang decidiu tomar uma barca para atravessar o rio. Depois que ela deixou a margem, um general levando uma espada e um chicote, chegou de repente gritando: "Espere-me, também vou!"

Quase todos na barca concordaram que ela não deveria voltar, assim o barqueiro gritou: "Espere pela próxima barca!"

Então, o Mestre Meng-ch'uang disse para o barqueiro: "Ainda estamos muito próximo da praia. Volte e o apanhe".

Vendo que era um monge que falava, o barqueiro voltou e apanhou o general. Quando o general subiu no barco, ele ficou perto do Mestre Meng-ch'uang e deu-lhe uma chicotada, gritando: "Levante-se, dê-me seu lugar".

Logo, o sangue começou pingar da cabeça do Mestre. Ele levantou-se sem dizer uma palavra. Todos estavam com medo e não ousaram falar. Embora soubesse que estava errado, o general era muito arrogante para se desculpar.

Quando a barca chegou do outro lado, o Mestre Meng-ch'uang desceu e foi para a beira do rio lavar o sangue de seu rosto.

O general sentiu grande remorso pelo que havia feito. Ele aproximou-se do Mestre Meng-ch'uang, ajoelhou-se diante dele e disse: "Mestre, estou muito arrependido!"

O Mestre Meng-ch'uang disse gentilmente: "Não se preocupe. Pessoas viajando longe de casa, algumas vezes se sentem melancólicas".

Qual é a coisa mais potente na Terra? Tolerância. O Buda certa vez disse: "Um praticante budista que pode tolerar a calúnia, o abuso, o ridículo, e encara-os como doce orvalho é uma pessoa forte".

Violência pode inspirar medo nas pessoas mas não pode conquistar seu respeito. Somente a tolerância pode tocar os corações dos arrogantes.


27. Tudo está à mão!

Um dia, quando viajava, o Mestre Ch'an Fa-yen Wen-i ficou impedido de continuar a viagem por uma tempestade de neve e teve que ficar com o Mestre Ch'an Kuei-ch'en.

Passado alguns dias, a tempestade de neve parou, assim Fa-yen decidiu partir e continuar sua jornada.

Enquanto o Mestre Kuei-ch'en estava andando até o portão principal, ele apontou para uma grande rocha à margem da estrada e disse: "Você sempre tem dito: 'Os três mundos não são nada mais que a manifestação da mente e os dez mil Dharmas surgem da consciência'. A rocha está dentro ou fora de sua mente?"

Com espontaneidade, Fa-yen respondeu: "De acordo com os ensinamentos do Yogachara, não existem Dharmas fora da mente. Com certeza, a rocha deve estar dentro da mente".

O Mestre Kuei-ch'en aproveitou a oportunidade e perguntou: "Você não está viajando? Então por que você carrega um pedaço de rocha em sua mente?"

Fa-yen não sabia como responder, assim ele decidiu ficar para procurar a resposta a esta pergunta. Ele trabalhou na questão durante dias e deu diferentes respostas ao Mestre Kuei-ch'en. Qualquer ponto de vista que ele usasse para abordar a questão, o Mestre Kuei-chen sempre discordava e declarava: "Budismo não é isto!"

Finalmente, Fa-yen suspirou: "Esgotei as palavras e as idéias".

O Mestre Kuei-ch'en exclamou: "Se estamos falando sobre budismo, então tudo está à mão!"

O Mestre Fa-yen alcançou a realização naquele instante. Mais tarde, ele fundou na China a Escola Fa-yen de budismo Ch'an.

Pôr chifres em cavalo ou uma cabeça extra a uma cabeça, é desnecessário. "Se estamos falando sobre budismo, então tudo está à mão" Que belo e maravilhoso estado da mente! Os fardos que carregamos em nossas mentes não são apenas pedaços de rocha. Os fardos do dinheiro, da fama, do amor e da vida são tão pesados que dificilmente podemos respirar. Quando a isto são acrescentados o certo e o errado, a honra e a desonra, o sofrimento e a felicidade, os fardos tornam-se ainda mais insuportáveis. Se entendermos que: "Tudo já está à mão", então por que deveríamos nos preocupar se as coisas são criadas somente por nossas mentes ou por nossa consciência?


28. A Vida ou a Morte, que Aconteça!

Antes que o Mestre Ch'an Pao-fu morresse ele disse aos seus discípulos: "Ultimamente eu tenho me sentido fraco. Acho que está quase chegando o tempo para eu partir".

Após ouvirem isto, alguns dos seus discípulos disseram: "Mestre, o senhor ainda parece muito saudável".

Outros imploraram, "Mestre, nós ainda necessitamos de sua orientação". enquanto alguns insistiram: "Mestre, por favor fique por amor a todos os seres".

Um discípulo perguntou: "Mestre, quando chegar o seu momento de partir, o senhor irá ou ficará?"

O Mestre Pao-fu perguntou: "O que você acha que seria melhor?"

O discípulo respondeu sem hesitar: "Se é a vida ou a morte, que aconteça!"

O Mestre começou a rir: "Quando você roubou as palavras que eu ia usar?"

Depois disso, Pao-fu morreu.

Para uma pessoa comum, a vida implica em felicidade, enquanto a morte é lamentável. Para um praticante budista realizado, a vida não implica em ser feliz, nem a morte é causa de lamento. A vida e a morte são dois lados de uma mesma moeda. O ciclo da vida e da morte é parte da lei da Natureza.

Muitos praticantes Ch'an disseram que a vida e a morte não tem nada a ver com eles. Um praticante Ch'an nem é ávido pela vida, nem temeroso com a morte, mas olha tanto a vida quanto a morte com uma atitude liberada.


29. O Silêncio é Melhor que a Fala

Durante a quinta dinastia (907-950 d.C.), o Rei Liu de Hou Han insistiu em convidar o Mestre Ch'an Yün-men e todos os monges do seu templo para passar o retiro de verão no palácio.

Palestras eram feitas diariamente. As damas e os ministros da corte estavam muito ansiosos para ouvir os ensinamentos e também por fazer perguntas. Todos estavam alegremente envolvidos nessa troca festiva de budismo exceto o Mestre Yün-men, que meditava tranqüilamente. Ninguém ousava perturbá-lo.

Um oficial viu Yün-men e fez-lhe algumas perguntas. Yün-men respondeu-lhe com silêncio. O oficial não se sentiu ofendido, mas respeitou Yün-men ainda mais. Ele escreveu o seguinte poema e afixou-o:

Praticar com grande sabedoria é o verdadeiro Ch'an,
Em que o silêncio é melhor que a fala.
Uma conversa inteligente sobre a verdade
é inferior ao silêncio do Ch'an.

Os mestres Ch'an são como nuvens flutuantes e grous selvagens. Algumas vezes vivem nas florestas, outras junto d' água. Levando somente seus três mantos13 e uma tigela, eles vivem de acordo com o ambiente que os cerca, afastados da riqueza, do ganho ou do poder.

O silêncio do Mestre Yün-men era como o som do trovão. Se pudermos entender os ensinamentos de Buda através do silêncio, então teremos obtido um vislumbre do Ch'an.

13. Individualmente, monges e monjas restrigem-se à posse de três mantos, de acordo com as regras da Sangha. Quando o budismo foi introduzido em diversos países, certas modificações foram introduzidas nestas regras devido a diferenças climáticas e das condições culturais.


30. O Monge Chefe

Por vinte anos esteve vago, no Templo Ling-shu, o posto de monge chefe. Quando perguntavam ao Mestre Ch'an Ling-shu Ju-min sobre o posto, ele respondia: "Nosso monge chefe acabou de nascer".

Em outra ocasião, quando alguém perguntava a mesma coisa, Ling-shu respondia: " Nosso monge chefe está cuidando de sua vaca".

Ainda mais tarde, quando as pessoas inquiriam sobre o monge chefe, Ling-shu respondia: "Nosso monge chefe está viajando para se cultivar".

Ninguém, realmente entendia o que o Mestre queria dizer.

Um dia, o Mestre ordenou aos discípulos para tocar o tambor, o sino e instruiu que todos fossem ao portão principal para dar as boas-vindas ao monge chefe. Todos ficaram pasmos. Quando Yün-men chegou, o Mestre Ju-min pediu-lhe para assumir o posto de monge chefe.

Deste momento em diante as pessoas começam a acreditar que o Mestre Ling-shu tinha o poder de conhecer o passado, bem como o futuro.

Pouco tempo depois, o Rei Liu de Hou Han estava para empreender uma campanha militar. Tendo ouvido falar do poder do Mestre Ling-shu para prever o futuro, o Rei Liu foi pedir-lhe conselho.

O Mestre Ling-shu já sabia da intenção do Rei e morreu antes que ele chegasse. O Rei Liu ficou furioso e exigiu que lhe dissessem: "O que ocorreu para que o Mestre morresse tão depressa?"

O assistente respondeu candidamente: "O Mestre sabia que você estava vindo, assim ele decidiu morrer antes que você chegasse. Ele deixou-lhe uma caixa".

O Rei Liu abriu a caixa e achou dentro, um pedaço de papel no qual estava escrito: "Os olhos dos humanos e dos seres celestiais estão contidos na cabeça do monge chefe no salão de estudos". O Rei Liu entendeu as implicações subjacentes da mensagem. Ele cancelou os planos de guerra e convidou o Mestre Yün-men para tornar-se o Abade do Templo Ling-shu.

Os antigos raramente permitiam que uma pessoa não qualificada preenchesse uma posição, preferindo deixá-la vaga até que a pessoa certa aparecesse. Embora uma pessoa possa ter as qualificações e a virtudes necessárias, ele ou ela deve esperar pelo aparecimento das condições certas.

O Mestre Ling-shu Ju-min esperou vinte anos pelo monge chefe apropriado. Portanto, podemos ver quão cuidadoso ele era em escolher a pessoa certa para uma posição tão importante.


31. Implorando para Ajudar Outros

Um dia, enquanto o Mestre Ch'an Chao-yin estava viajando, alguém aproximou-se dele e perguntou: "O que eu deveria fazer com meu mau temperamento?"

O Mestre respondeu: "O mau temperamento surge da raiva. Humildemente imploro-lhe que você me dê seu mau temperamento e sua raiva".

Em uma outra ocasião, o Mestre Chao-yin descobriu que o filho de um de seus devotos era muito preguiçoso e gostava de dormir. Seus pais não sabiam como o ajudar. Ao saber disto, o Mestre Chao-yin foi à casa do devoto, acordou o filho, e disse-lhe: "Eu vim pedir-lhe sua preguiça. Dê-me sua preguiça".

Outra vez ainda, quando o Mestre Chao-yin ouviu que um casal, que era seu devoto, estava brigando, o mestre foi pedir-lhe a sua desavença. Do mesmo modo, quando um devoto estava se excedendo no álcool, o Mestre Chao-yin foi pedir-lhe seu alcoolismo.

No decorrer de toda sua vida, o Mestre Chao-yin ajudou muitas pessoas a vencer seus maus hábitos assumindo ele próprio as fraquezas dos outros.


32. Um Par de Mãos Puras

O Primeiro Ministro P'ei-hsiu da dinastia T'ang era um praticante Ch'an. Ele registrou suas introspecções advindas da prática da meditação e presenteou-as ao Mestre Ch'an Huang-po.

O Mestre colocou as anotações sobre a mesa sem olhá-las. Depois de um longo tempo, ele perguntou a P'ei-hsiu: "Você entendeu o que eu fiz?"

P'ei-hsiu respondeu francamente: "Não, eu não entendi".

O Mestre Huang-po disse: "O ensino do Ch'an não depende só de palavras e escritos. Escrevendo, você realmente destruiu o verdadeiro significado do budismo que é a chave do ensino do Ch'an. Portanto, eu me recuso a vê-las".

As palavras dele deram a P'ei-hsiu uma profunda compreensão do Ch'an, e seu respeito pelo Mestre cresceu. Ele compôs um verso em louvor ao Mestre:

Desde que o Mestre herdou a Mente-intuitiva14,
Há uma pérola na fronte de seu corpo de sete pés.
Ele permaneceu em Shu durante dez anos antes de vir para este lado do rio Chang.
Oito mil discípulos seguiram-no nesses passos exaltados;
Boas causas agruparam-se como fragrantes flores ao longe.
Eu estava indo para me tornar discípulo do Mestre,
Desconhecendo a quem o Mestre revelaria seu ensinamento.

O Mestre Huang-Po não teceu elogios nem condenou o verso, mas meramente comentou:
A mente é como um mar ilimitado:
Lótus vermelhos cuspidos pela boca podem nutrir o corpo doente.
Um par de mãos puras produz naturalmente o que uma pessoa comum nunca produzirá.

Quando o Mestre Huang-po estava com sessenta e cinco anos, P'ei-hsiu coletou os ensinamentos do Mestre em um volume, e mais tarde coletou em um segundo volume. O Mestre Huang-po não leu nenhum deles, demonstrando que ele era fiel ao ensinamento do Ch'an, evitando depender da palavra escrita.

14. A mente selada refere-se a uma impressão mental ou certeza intuitiva; a mente é a Mente Búdica possuída por todos, que pode lacrar ou assegurar a Verdade. Assim, o termo indica o método intuitivo da Escola Ch'an, evitando a palavra falada ou escrita. Quando os Mestres Ch'an conferem a mente selada sobre um estudante, eles estão com efeito, validando a experiência de iluminação do discípulo.


33. Como Você Pode Entender?

Depois que o Mestre Ch'an Yün-men alcançou a realização sob a orientação do Mestre Ch'an Mu-chou, ele começou a viajar.

Quando estava em Kiangchou, o Mestre Yün-men encontrou um oficial chamado Chen-ts'ao, que também praticava Ch'an.

Chen-ts'ao perguntou a Yün-men: "Qual é o dever de um monge itinerante?"

Yün-men replicou indiretamente, perguntando: "A quantas pessoas você tem feito esta mesma pergunta antes de perguntar-me?"

O oficial disse: "Não importa a quantas pessoas eu tenha perguntado. Neste momento eu estou lhe perguntando".

Yün-men inqueriu: "Discutiremos isto mais tarde. Deixe-me primeiro perguntar-lhe, quais são os ensinamentos do Tathagata?"

O oficial respondeu: "Os rolos amarelados de pergaminho".

Yün-men retrucou: "Eles somente são tinta no papel e não a essência do ensinamento do Buda. Tente novamente. Qual é o ensinamento?"

O oficial replicou: "Está na ponta da minha língua, mas no momento me faltam as palavras. Minha mente deseja racionalizar, mas meu pensamento se foi".

Yün-men disse: "Querendo dizer, mas não achando palavras apropriadas, implica no uso da linguagem. A mente que deseja raciocinar, mas que não encontra pensamento, implica em pensamento ilusório. Você ainda não disse o que é certo. Tente novamente. Qual é o ensinamento?"

O oficial não podia chegar a uma resposta.

Yün-men questionou: "Eu ouvi dizer que você está estudando o Sutra Lótus?"

O oficial afirmou dizendo: "Sim".

Yüan-men continuou: "De acordo com o Sutra Lótus, 'Toda subsistência e posse está de acordo com os fenômenos reais.' Por favor diga-me quantas pessoas foram ao céu onde não existe pensamento e não-pensamento?"

O oficial estava novamente sem palavras.

Yün-men observou: "Mesmo lendo os dez sutras e os cinco shastras e ainda fazendo práticas em monastérios por dez ou vinte anos, isto não garante que alcancemos iluminação. O que faz você pensar que você pode entender os ensinamentos do Buda lendo apenas uns poucos sutras?"

O oficial disse: "Por favor, perdoe-me".

Depois deste encontro, o Mestre Yün-men foi convidado para ficar na residência do oficial por três anos.

Os praticantes Ch'an não ostentam suas conquistas, gabando-se. Quando Yün-men esteve pela primeira vez em Mu-chou, ele sofreu duros golpes e foi expulso do templo por três vezes. Assim ele alcançou a realização depois de trabalho muito mais árduo. Deste modo, a leitura de uns poucos sutras pelo oficial, não era nada comparada com o que Yün-men tinha sofrido.


34. A Maravilha do Picar e Bicar

O Mestre Ch'an Nan-yüan Hui-yung era discípulo do Mestre Ch'an Lin-chi.

Certa vez, Hui-yung ao ensinar seus estudantes disse: "Hoje em dia a maior parte das pessoas apenas conhece teoricamente a relação entre o picar e o bicar15, mas elas não experimentaram ainda a maravilha dessa prática".

Então um noviço adiantou-se e perguntou: "O que é a relação simultânea entre o picar e o bicar?"

O Mestre Hui-yung explicou: "Picar e bicar é como friccionar duas pedras para obter uma faísca. Ela acontece, instantaneamente, sem qualquer deliberação, hesitação ou demora".

O noviço insatisfeito disse: "Ainda tenho minhas dúvidas".

O Mestre Hui-yung amavelmente perguntou: "Que dúvidas você tem?"

O noviço disse sarcasticamente: "Antes eu não tinha nenhuma dúvida, mas o que você acabou de dizer, me confundiu".

O Mestre Hui-Yung bateu no noviço com seu cajado e expulsou-o do templo antes que ele tivesse chance de se explicar.

Este noviço foi estudar com o Mestre Yün-men e contou a um de seus discípulos como ele tinha sido expulso pelo Mestre Hui-yung.

O discípulo inquiriu: "Quando o Mestre Hui-Yung lhe bateu, o cajado quebrou?"

Depois de ouvir isto, o noviço alcançou a realização e decidiu voltar ao Mestre Hui-yung e pedir-lhe perdão. Infelizmente, o Mestre Hui-yung já havia morrido, e o Mestre Feng-hsüeh Yen-chao era o Abade.

O Mestre Yen-chao perguntou ao noviço: "O que fez você discordar do Mestre?"

O noviço replicou: "Eu me senti como se estivesse andando como uma luz tremulante". O Mestre Yen-chao disse: "Bem, agora que você entendeu, eu confirmarei sua realização".

De acordo com o ditado Chinês: "Se o arroz não estiver cozido, não remova a tampa. Se o ovo não estiver chocado, não o quebre".

A maravilha do picar e do bicar é aquilo que deve ocorrer espontaneamente, no momento favorável, assim uma nova vida nascerá.

Quando o Mestre Hui-yung bateu no noviço e o expulsou do templo, o momento favorável ainda estava no período de incubação. O discípulo do Mestre Yün-men tinha bicado a casca no momento certo quando ele fez a pergunta: "O cajado quebrou?"

15. "Picar e bicar" descreve o processo pedagógico que transpira entre os praticantes Ch'an e seus mestres. Os termos são derivados da experiência de um pintinho quebrando a casca. Picar é o som feito pelo pintinho dentro da casca, indicando que ele está pronto para rachá-la. Em resposta a esta ação, a mamãe galinha bica a casca do lado de fora. Desta maneira, o ovo é rachado através do mútuo esforço do pintinho e da galinha, assim como a realização resulta do mútuo esforço do estudante e do mestre. Picar refere-se às questões colocadas pelo praticante Ch'an como um pedido por instruções ao mestre, enquanto bicar denota o ensinamento do mestre Ch'an em resposta ao que foi perguntado, facilitando a realização do estudante.


Terceira Parte

35. Sem Outra Escolha a Não Ser Falar

Um dia, O Mestre Ch'an Tao-fu foi visitar o Mestre Ch'an Hsüeh-feng I-ts'un. Em seu primeiro encontro, o Mestre Hsüeh-feng perguntou: "Onde você mora?"

Tao-fu replicou: "Wenchou".

O Mestre Hsüeh-feng disse: "Quer dizer que você veio do mesmo lugar que o Mestre Ch'an Hsüan-chüeh Yung-chia".

Tao-fu estava inseguro e perguntou: "Onde vivia o Mestre Yung-chia?"

O Mestre Hsüeh-feng repreendeu-o: "Você é tão ignorante que eu deveria dar-lhe uma boa surra, mas por hoje, você pode ir".

"Tang-tang-mi-mi-ti" (A verdade última se manifesta claramente em todos os lugares) foram as palavras ditas pelo Mestre Hsüeh-feng quando um dia ele se dirigiu à assembléia. Depois de ter dito isto, o Mestre Hsüeh-feng ficou em silêncio, e ninguém compreendeu o que ele quis dizer.

Tao-fu adiantou-se e perguntou: "O que é tang-tang-mi-mi-ti?

O Mestre Hsüeh-feng indagou: "O que você disse?"

Tao-fu ficou em expectativa respeitosamente.

O Mestre Hsüeh-feng esperou, mas ninguém falou, assim ele continuou: "Tang-tang-mi-mi-ti é a essência do ensino Ch'an".

Depois de ouvir isto, Tao-fu ajoelhou-se, juntando as mãos disse: "Tenho vivido aqui durante vários anos e nunca ouvi o Mestre oferecer ensinamentos tão compassivos."

O Mestre Hsüeh-feng disse: "Eu nunca falei assim antes. Incomoda-lhe agora que eu tenha dito isto?"

Tao-fu observou: "Como eu me atreveria ficar aborrecido? Não há nada que o senhor possa fazer".

O Mestre Hsüeh-feng disse: "Eu não tive outra escolha a não ser falar".

Daquele momento em diante, Tao-fu tornou-se plenamente devotado como praticante Ch'an sob a orientação do Mestre Hsüeh-feng.


36. Onde está o Monge Altamente Cultivado?

Certa vez, quando o Primeiro Ministro P'ei-hsiu estava visitando o Templo Lung-hsing, ele viu uma pintura e perguntou: "Que significa esta pintura?"

O monge do templo respondeu: "A verdadeira conduta de um monge altamente cultivado".

P'ei-hsiu questionou: "Eu posso ver a verdadeira conduta, mas onde está o monge altamente cultivado?

O monge do templo não pôde responder.

P'ei-hsiu perguntou: "Existem praticantes Ch'an aqui?"

O monge do templo disse: "Nós temos aqui um monge itinerante que chegou recentemente. Ele parece ser um praticante Ch'an".

P'ei-hsiu pediu para se encontrar com este monge itinerante e disse-lhe: "Eu acabei de fazer uma pergunta ao monge do templo. Será que você pode respondê-la?"

O monge itinerante respondeu: "Por favor, faça sua pergunta".

Assim que P'ei-hsiu começou a falar, o monge itinerante gritou: "Primeiro Ministro!"

Naturalmente, P'ei-Hsiu respondeu a seu título.

"Onde?" O monge itinerante perguntou.

P'ei-hsiu exclamou: "Então, é você o monge altamente cultivado!"

P'ei-hsiu prostrou-se diante do monge e pediu para tornar-se seu discípulo. O monge itinerante era o famoso Mestre Ch'an Huang-po.

O Primeiro Ministro P'ei-hsiu foi um verdadeiro seguidor dos ensinamentos do Mestre Huang-po. "Não procure nada do Buda. Não procure nada no Dharma. Não procure nada na Sangha. Este é o verdadeiro caminho da prática".


37. Nenhum Buda no Santuário

O Mestre Ch'an Wu-yeh era alto e robusto, com uma voz ressoante como um sino. Quando ele visitou pela primeira vez o Mestre Ch'an Ma-tsu, Ma-tsu provocou-o: "Que magnífico santuário, mas não há nenhum Buda aí dentro".

Wu-yeh prostrou-se e replicou respeitosamente: "Eu creio que sei um pouco do ensinamento dos três yanas. Mas realmente não entendo o ensinamento Ch'an de que 'a mente é o Buda'."

Já que Wu-Yeh foi sincero, Ma-tsu disse: "A mente que não entende é isso. Nada mais. Quando você não entende, há confusão. Quando você entende, há realização. Quando você está confuso, você é um ser senciente. Quando você alcançou a iluminação, você é um Buda".

Wu-yeh perguntou: "Além da mente, do Buda e dos seres sencientes, existe algum outro Dharma?"

Ma-tsu comentou: "A mente, o Buda, os seres sencientes não são diferentes. Como poderia haver qualquer outro Dharma?"

Wu-yeh indagou: "O que significou a vinda do Patriarca do Ocidente?"16

Ma-tsu replicou: "Onde está o Patriarca agora? Ele se foi e voltou em outra ocasião!" O Mestre Wu-yeh despediu-se e partiu.

Subitamente, Ma-tsu gritou: "Venerável!"

Wu-yeh voltou sua cabeça.

Ma-tsu disse: "O que é isto?"

O Mestre Wu-yeh ajoelhou-se, prostrou-se, e chorou: "As pessoas dizem que o Caminho do Buda é muito longo. Eu hoje compreendi que a verdadeira forma do Corpo do Dharma está originalmente presente dentro de nós".

Ma-tsu disse: "Este companheiro pouco inteligente finalmente alcançou a realização!"

Em termos de cultivo, qual é o tempo necessário para chegar até o fim do Caminho de Buda? Se nós dissermos que requer um longo tempo, então ele pode levar até três grandes kalpas. Se nós dissermos que o tempo é curto, a realização pode ser alcançada instantaneamente. Porque nós nos perdemos e tentamos procurar o Dharma externamente, necessitamos de Budas e patriarcas para nos ensinar milhares de vezes, antes que possamos ficar convencidos de que deveríamos retornar às nossas origens.

Após um único grito, Wu-yeh voltou a cabeça e imediatamente reconheceu sua verdadeira face.

De acordo com um ditado Chinês: "Não procure água quando você é um peixe dentro dela. Não procure pela montanha, quando você está caminhando nela".

16. Um conhecido kung-an usado pelos mestres Ch'an. O Patriarca é Bodhidharma que veio da Índia, que está a oeste da China. Ele é considerado o primeiro patriarca da Escola Ch'an.


38. Um Bote Virado

Um noviço foi visitar o Mestre Ch'an Hsüeh-feng, e o Mestre perguntou: "De onde você veio?"

O noviço respondeu: "Eu vim do Mestre Ch'an Fu-ch'uan (literalmente, 'um bote virado')".

Intencionalmente, provocando-o, o Mestre Hsüeh-feng acrescentou: "Você ainda não cruzou o mar da vida e da morte. Por que você virou seu barco?"

O noviço não entendeu o que o Mestre Hsüeh-feng queria dizer. Quando ele retornou ao Mestre Fu-ch'uan, ele relatou o que acontecera.

O Mestre Fu-ch'uan então disse ao noviço: "Você é muito tolo. Porque você não disse que já havia transcendido o mar da vida e da morte e que por isso você já havia virado seu bote?"

O noviço voltou para o Mestre Hsüeh-feng que inquiriu: "Já que você virou seu bote, por que você voltou?"

O noviço replicou confidencialmente: "Uma vez que o ciclo da vida e da morte já tinha sido transcendido, por que eu não deveria virar o bote?"

Hsüeh-feng disse severamente: "Esta não é a sua própria compreensão. Seu professor ensinou-lhe a dizer isso. Leve estas vinte pancadas para seu professor Fu-ch'uan e diga a ele que eu também dei vinte pancadas em mim mesmo. Todas estas pancadas não tem nada a ver com você".

O Mestre Hsüeh-feng deu ao Mestre Fu-ch'uan vinte pancadas e deu outras vinte em si mesmo. A mensagem subjacente é muito clara: O Ch'an deve ser livre dos limites da linguagem. Hsüeh-feng e Fu-ch'uan estavam ambos fazendo um jogo de palavras, assim cada um mereceu as vinte pancadas. Isto nada tinha a ver com o noviço, que ainda não as merecia.


39. Esquecendo as Palavras

Um dia, o Mestre Tung-shan observava um monge que se dirigia à assembléia sem se basear em qualquer escritura. O monge disse para si mesmo: "Maravilhoso! O Buda e o Caminho são inacreditáveis!"

Tung-shan encaminhou-se para ele e disse: "Eu não vou perguntar sobre o Buda ou o Caminho. Estou interessado em conhecer a pessoa que há pouco falava sobre o Buda e o Caminho".

Naquela época, o monge Ch'u era o monge chefe do templo, conhecido como Monge Chefe Ch'u.

Após ouvir as palavras de Tung-shan, o Monge Ch'u permaneceu em silêncio.

Contudo, o Mestre Tung-shan não o deixou ir e persistiu: "Por que você não fala logo?"

O Monge Chefe Ch'u replicou: "Nada pode ser ganho se eu falar".

Tung-shan não estava satisfeito: "Você não disse nada mesmo. O que você quis dizer com ' Nada pode ser ganho se eu falar'?"

Depois de ouvir isso, o Monge Chefe novamente ficou em silêncio.

O Mestre Tung-shan viu que ele tinha feito um inimigo e disse gentilmente: "O Buda e o Caminho são apenas nomes vazios. Por que você não baseia seus ensinamentos nas doutrinas?"

O Monge Chefe Ch'u aproveitou a oportunidade e perguntou: "Como a doutrina está sendo ensinada?"

O Mestre Tung-shan bateu palmas, riu e exclamou: "Esqueça as palavras quando compreender o seu significado!"

Algumas vezes, quando os mestres Ch'an falam entre si, eles parecem falar sem qualquer sentido. Contudo, há muita verdade no que eles dizem.

Quando o Mestre Tung-shan incitou o Monge Chefe Ch'u a falar logo, ele permaneceu em silêncio. Quando o Monge Chefe perguntou a Tung-shan como ensinar a doutrina, Tung-shan replicou dizendo-lhe: "Esqueça as palavras quando compreender o seu significado!"

Esquecer as palavras é a verdadeira prática do Ch'an.


40. Nem Perguntas nem Respostas

Um mestre Ch'an colocou uma charada para seus discípulos decifrarem: "Duas pessoas estavam caminhando sob um chuvisco. Por que o céu não chove sobre uma só pessoa?"

Um discípulo disse: "Essa pessoa deve estar usando uma capa".

Um outro discípulo tentou dizendo: "Deve ter sido uma chuva parcial. Uma pessoa apanha chuva, enquanto uma outra não".

O terceiro concluiu: "A outra pessoa devia estar caminhando sob um telhado".

O Mestre finalmente explicou: "Todos vocês estão apegando-se a um único ponto de vista, de que uma pessoa não está apanhando chuva, fixando-se nele. Assim, vocês estão se afastando cada vez mais da verdade. Quando eu perguntei, 'porque o céu não chove sobre uma só pessoa?' isto implica que ambas as pessoas estavam sendo molhadas!"

Quando entramos em uma discussão no Ch'an, não deveríamos nos aproximar dela apenas do ponto de vista proposto, mas como na vinheta acima, deveríamos nos aproximar dela do ponto de vista de não fazer qualquer pergunta.

Existem milhares de registros Ch'an, que fazem o Ch'an ser visto como se ele fosse um ensinamento baseado em perguntas e respostas. Algumas vezes, as perguntas realmente não precisam ser respondidas. Outras vezes, a resposta não é pertinente ao que foi perguntado.

Quando existem perguntas e respostas, os argumentos surgem naturalmente. Quando alguém alcançou a auto-realização, não haverá mais argumentos. O uso de perguntas e respostas não deve ser considerado um jogo de adivinhação. Além da resposta, o que há para ser ganho?


41. Esvazie sua Xícara

Um professor universitário foi visitar o Mestre Ch'an Nan-yin e pediu a ele para definir o Ch'an.

O Mestre serviu-lhe uma xícara de chá, mas continuou a encher a xícara apesar do chá já estar derramando.

Tendo visto isto, o professor observou: "Mestre, a xícara está cheia".

Mas o Mestre Nan-yin explicou: "Você é justamente como esta xícara, cheio de conceitos e idéias. Se você não esvaziar primeiro a xícara que está em sua mente, então como eu posso começar a explicar o Ch'an para você?"

Se as pessoas são arrogantes e preconceituosas, mesmo quando o néctar dos céus chove sobre elas, não se beneficiarão. Antes de colocarmos a água da verdade em uma vasilha, ela tem, primeiro, que ser esvaziada e limpa; de outra maneira, o gosto da água será afetado.


42. A Compaixão de um Mestre Ch'an

O Mestre Ch'an Liang-k'uan praticou o Ch'an dedicadamente por toda a sua vida. Quando velho, recebeu notícias de que seu sobrinho não tinha um trabalho fixo e ainda tinha esbanjado a riqueza de sua família. Os mais velhos da família estavam muito preocupados e desejavam que o Mestre Liang-k'uan retornasse e persuadisse seu sobrinho a deixar os maus hábitos. Cheio de compaixão, o Mestre Liang-k'uan decidiu fazer a longa viajem para casa.

Depois de três dias de viagem, ele finalmente chegou à casa de seu sobrinho, que ficou muito feliz ao vê-lo. O Mestre Liang-k'uan permaneceu na casa de seu sobrinho naquela noite.

Na manhã seguinte, antes que o Mestre Liang-k'uan partisse, ele disse para seu sobrinho: "Acho que estou realmente ficando velho. Minhas mãos estão tão trêmulas que não posso sequer amarrar meus sapatos. Você poderia me ajudar?"

Seu sobrinho estava mais que feliz em ajudar.

Então, o Mestre Liang-k'uan disse compassivamente. "Muito obrigado. Você vê, quando uma pessoa se torna velha, ela fica cada dia mais fraca. Então, cuide-se enquanto você ainda está jovem. Seja bom e tente construir um alicerce firme para o seu futuro".

Depois de ter dito isto, o Mestre virou-se e partiu. Ele sequer mencionou uma palavra sobre os erros do sobrinho. Mas depois da visita do Mestre, seu sobrinho não voltou a se comportar mal novamente.

O ensino do Ch'an varia. Algumas vezes ele consiste em bater e gritar ou em perguntas e respostas. Outras vezes ele envolve discursos sutis com implicações nas entrelinhas. Não importa qual o modo utilizado, um mestre Ch'an nunca esclarece a verdade ou dá a resposta, porque a verdade ou a resposta somente nos pertencem quando as tivermos revelado por nós mesmos.

Será que os pais que cuidam de seus filhos entendem este tipo de ensinamento Ch'an?


43. Bons e Maus Atos

Um monge perguntou ao Mestre Ch'an Chün-chi: "Quem são aqueles que fazem o bem?"

Chün-chi respondeu: "Aqueles que usam correntes e algemas".

O monge perguntou novamente: "Quem são aqueles que fazem o mal?"

Chün-chi disse: "Aqueles que praticam o Ch'an e meditam".

O monge exclamou: "Realmente tenho raízes inferiores! Não posso entender seu ponto de vista. Você poderia, por favor, explicar isto em termos mais simples?"

Então Chün-chi disse: "Aqueles que são maus não fazem o bem. Aqueles que são bons não fazem o mal".

O monge ainda estava confuso.

Depois de um instante, o Mestre Chün-chi perguntou-lhe: "Agora você entendeu?"

O monge respondeu: "Não".

Chün-chi comentou: "Os que praticam o mal não têm boas intenções. Os que praticam o bem não têm más intenções. Nós dizemos que bem e mau são como nuvens que flutuam, não há nem surgimento nem extinção".

Finalmente, o monge entendeu.

Do ponto de vista convencional é verdade que o bem gera o bem e o mal gera o mal. Mas da perspectiva da verdadeira natureza íntima das coisas, não existem tais termos, como bem e mal. Se não pensarmos em termos de bem e mal, então nossa verdadeira natureza pode ser contemplada.

O Mestre não estava errado ao dizer que aqueles que praticam o bem são aqueles que usam correntes e algemas, enquanto aqueles que fazem o mal são aqueles que praticam o Ch'an e meditam. Aqueles que praticam o bem agarram-se aos méritos, que não são diferentes de correntes e algemas. Embora aqueles que fazem o mal possam cair no estado do sofrimento, sua verdadeira natureza não será alterada de forma alguma.

O Mestre Chün-chi não quer nos deixar confusos com os termos 'bem' e 'mal'. Nós precisamos entender que bem e mal são dharmas, mas o Dharma, em si mesmo, não é nem bem nem mal.


44. Quem é Nossa Posteridade?

O Mestre Ch'an T'ien-huang perguntou ao Mestre Ch'an Shih-t'ou: "Além de libertação, meditação e sabedoria, o que mais você ensina?"

Shih-t'ou disse: "Ninguém é escravo. Por que, então, deveríamos falar sobre libertação?"

T'ien-huang indagou: "Se você fala deste jeito, como esperar que os outros o entendam?"

Shih-t'ou questionou: "Você sabe o que é o 'vazio'?"17

"Eu tive uma compreensão do 'vazio' há muito tempo atrás".

Shih-t'ou observou: "Ah! Você também é do mundo das ilusões".

T'ien-huang discordou: "Eu não sou do mundo das ilusões".

Shih-t'ou continuou: "Há muito tempo que eu sei de onde você veio".

"Como pode você chegar a esta conclusão sem qualquer evidência?"

Shih-t'ou replicou: "Seu corpo é a evidência.

T'ien-Huang retorquiu: "Os quatro grandes elementos são originariamente vazios, e os cinco agregados são não-existentes, assim o que podemos usar para inspirar e guiar nossa posteridade?"

Shih-t'ou gritou: "Diga-me, quem é nossa posteridade?"

Finalmente, T'ien-huang entendeu.

A verdade é que tudo é vazio, não existe nem o bem, nem o mal. Todos os conceitos dualísticos, tais como escravidão e libertação, vazio e existência, frente e verso, são incompatíveis com o Ch'an. Se os praticantes puderem eliminar tais conceitos, eles poderão certamente atingir a realização.

17. 'Vazio' é a doutrina de shunyata que afirma que todos os fenômenos, incluindo o ego, não têm realidade, mas são compostos de um certo número de elementos.


45. Qual é Sua Queixa?

O Mestre Ch'an Chü-tun de Lung-ya Shan foi para Chung-nan Shan para meditar sob a orientação do Mestre Ch'an Ts'ui-wei. Após muitos meses, o Mestre Ts'ui-wei ainda não havia dado a ele qualquer instrução.

Um dia, ele criou coragem e perguntou ao Mestre Ts'ui-wei: "Desde que eu cheguei aqui, tenho estado meditando com os outros, mas não recebi qualquer ensinamento do senhor. Por quê?"

O Mestre Ts'ui-wei indagou: "Qual é sua queixa?"

Devido o fato de Chü-tun não ter obtido a essência do ensinamento de Buda, ele deixou o Mestre Ts'ui-wei e foi para Tê-shan na esperança de aprender com o Mestre Ch'an Hsüan-chien.

Uma vez ele disse ao Mestre Hsüan-chien: "Eu sempre admirei seus ensinamentos. Estou aqui há algum tempo, mas ainda não ouvi os ensinamentos do Mestre".

Parecia que o Mestre Hsüan-chien se comunicara com o Mestre Ts'ui-wei, porque ele perguntou: "Qual é a sua queixa?"

Desapontado Chü-tun foi estudar com o Mestre Tung-shan Liang-chieh.

Um dia, Chü-tun perguntou: "Eu rogo ao senhor, por favor diga-me uma palavra sobre a essência dos ensinamentos do Buda".

O Mestre Tung-shan disse diretamente a ele: "Eu contarei a você quando a água na gruta fluir contra a corrente".

Quando ouviu isto, Chü-tun alcançou a realização.

Meditar com dúvida, meditar com intuição, ou meditar com espírito cético- não são meios tão bons como utilizar a mente cotidiana para meditar.

Estamos todos vivendo na ilusão e estamos à deriva no círculo do nascimento e da morte. Se pudermos entender o significado da água da gruta fluindo contra a corrente, então nossa verdadeira natureza será revelada.


46. O Que é a Mente do Buda?

O Mestre Ch'an Hui-chung certa vez perguntou ao Mestre Tzü-lin: "Você tem estudado o budismo por muitos anos; qual é o significado de 'Buda'?"

Sem pensar Tzü-lin respondeu: "Buda significa 'O Iluminado'."

O Mestre Hui-chung indagou: "O Buda pode se tornar iludido?"

Ficando impaciente, Tzü-lin o desafiou: "Se ele já é o Buda, então como ele pode se tornar iludido?"

Hui-chung contrariou-se: "Se ele não é iludido, qual é o sentido da iluminação?"

Tzü-lin não tinha nada a dizer como resposta.

Enquanto Tzü-lin estava escrevendo um comentário para um sutra, o Mestre Hui-chung disse a ele: "Uma pessoa que escreve um comentário deveria estar em harmonia com a Mente búdica, devendo alcançar um verdadeiro entendimento dos ensinamentos do Buda e saber muito claramente a necessidade de todos os seres, somente então será capaz de escrever bem".

Tzü-lin estava aborrecido com estas observações e declarou: "Você está certo. Foi precisamente por isto que eu comecei a escrever o comentário".

Após ouvir isto, o Mestre Hui-chung mandou que alguém trouxesse uma tigela com água contendo sete grãos de arroz e um par de palitinhos e perguntou a Tzü-lin o que aquilo significava.

Novamente, Tzü-lin não pode responder.

O Mestre Hui-chung repreendeu-o dizendo: "Você sequer pode entender o que eu quero dizer. Como você pode dizer que está em harmonia com a Mente búdica?"

A tigela com água, os grãos de arroz e o par de palitinhos significam que o budismo não está isolado da vida diária. Qual o sentido do budismo se ele estivesse divorciado da vida? O Mestre Tzü-lin tinha escrito comentários que eram irrelevantes para a vida quotidiana. Portanto, ele já tinha sido afastado da Mente búdica.

O Sexto Patriarca Hui-neng, observou: "O Dharma está bem aqui no mundo e deve ser compreendido sem sair deste mundo. Se deixarmos este mundo e tentarmos procurar o bodhi, então seria como procurar chifres em um coelho". Um verdadeiro praticante Ch'an não pratica o Ch'an como se ele fosse algo separado deste mundo ou fora da vida comum.


47. Um Feixe de Lenha

Certa vez, o Mestre Ch'an Shih-t'ou de Nan-yüeh, Hunan, perguntou a um monge estudante: "De onde você veio?"

O estudante respondeu: "De Kiangsi."

Então Shih-t'ou continuou: " Você viu o Mestre Ch'an Ma-tsu?"

O estudante respondeu: "Sim".

Após ouvir isto, Shih-t'ou apontou para um feixe de lenha e perguntou: "O Mestre Ma-tsu se parece com este feixe de lenha?"

O estudante não sabia como responder. Como o estudante não entendesse o ensinamento do Mestre Shih-t'ou, ele voltou ao Mestre Ma-tsu e contou-lhe o que havia acontecido. Após ouvir o estudante, o Mestre Ma-tsu sorriu e perguntou-lhe: "Que peso tinha o feixe de lenha?"

O estudante disse: "Eu não o pesei".

Então, Ma-tsu observou: "Você deve ser muito forte".

Confundido, o estudante perguntou: "Por quê?"

Ma-tsu respondeu: "Você carregou aquele feixe de lenha por todo o caminho de Nan-yüeh até aqui. Isto não demonstra sua força?"

Este monge estudante perambulou de lugar para lugar fazendo observações negativas sobre vários mestres Ch'an, pelas costas. Em vez de ficar aborrecido, Ma-tsu ensinou ao noviço uma lição.

Hoje, nós também vemos muitos seguidores budistas, carregando seus feixes de lenha, indo de um mestre a outro. Não se sabe se eles acham os feixes de lenha pesados ou não.


48. A Pérola Mani

Quando o Buda estava no Pico dos Abutres18, ele mostrou uma pérola mani19 para os Quatro Reis Celestiais20 e perguntou: "De que cor é esta pérola mani?"

Em resposta, cada um usou diferentes cores para descrevê-la.

O Buda jogou fora a pérola e perguntou novamente: "Agora, de que cor é esta pérola mani em minha mão?"

Os quatro Reis Celestiais não entenderam o que o Buda queria dizer e replicaram: "Buda, não há nada em sua mão".

O Buda então disse: "Eu mostrei a vocês uma pérola comum, e todos vocês puderam dizer a sua cor. Agora eu estou mostrando uma pérola legítima, e no entanto vocês não a podem ver! Como vocês são confusos!"

A pérola mani é a mente verdadeira que está em cada pessoa. Os povos do mundo estão obcecados à procura de riqueza e glória, mas poucos compreendem que todos os tesouros do mundo são ilusórios. Se procurássemos o tesouro que está dentro de cada um de nós, com o mesmo afinco e energia que gastamos com empreendimentos mundanos, alcançaríamos ilimitada riqueza.

18. O Pico do Abutre, situado perto de Rajaghra, foi o local de muitos discursos feitos pelo Buda. O pico tem a forma da cabeça de um abutre, por isso é chamado de Pico do Abutre.
19. A pérola mani é uma pérola brilhante e luminosa simbolizando o Buda e suas doutrinas. Mani pode ser traduzido por "como desejado", uma vez que o possuidor da pérola recebe o que ele ou ela desejar.
20. Os quatro Reis Celestiais foram introduzidos na China por volta do século oitavo. Eles são considerados os protetores das quatro direções e vivem nas encostas do Monte Meru. Eles são também venerados como guardiões dos monastérios, e suas imagens são usualmente colocadas na entrada de muitos Templos Chineses.


Após receber esta carta de sua mãe, Hui-hsin decidiu tornar-se um verdadeiro praticante Ch'an, não se preocupando com a conquista da fama e da fortuna.

Em outra ocasião, Hui-hsin queria ir para casa visitar sua mãe. Novamente, ela lhe escreveu: "Eu já mandei você para o monastério. Você agora pertence ao monastério e a todos os seres, não é mais minha propriedade privada. De agora em diante, você é o filho do Buda e deveria respeitar seus mestres e as Três Jóias e não pensar mais em sua mãe".

Após receber estas duas cartas de sua mãe, Hui-hsin decidiu devotar todo o seu tempo e esforço para aprender o Dharma, o que possibilitou que ele se tornasse um verdadeiro praticante Ch'an.


50. Vendendo Gengibre Cru

O Mestre Ch'an, Pao-shou, tomava conta do armazém no Templo Wu-tsu, cujo abade, naquele tempo, era Chieh-kung. Às vezes, quando Chieh-kung ficava doente e necessitava gengibre cru para remédio, seu assistente ia ao armazém buscar um pouco. Ao invés de dar o gengibre ao assistente, Pao-shou repreendia-o e mandava-o embora.

Quando Chieh-kung soube disto, deu algum dinheiro ao assistente e pediu que ele comprasse um pouco de gengibre de Pao-shou. Somente então Pao-shou deu o gengibre ao assistente.

Mais tarde, quando o Templo Tung-shan necessitou de um abade, o oficial do condado escreveu a Chieh-kung pedindo que ele recomendasse alguém. Chieh-kung sugeriu: "Aquele companheiro que vendeu o gengibre cru pode ser o Abade do Templo Tung-shan.

Assim, Pao-shou tornou-se o Abade do Templo Tung-shan, e a história intitulada: "O Gengibre Cru de Pao-shou é Picante por Dez Mil Anos"23 tornou-se famosa entre os adeptos Ch'an.

Pao-shou era fiel ao seu ofício e recusou-se a abusar de sua autoridade. Apreciando a lealdade de Pao-shou, Chieh-kung sugeriu que ele se tornasse o novo abade do Templo Tung-shan. Ambos dão bons exemplos a serem seguidos.

23. Significa que o ensinamento do Mestre Ch'an Pao-shou é duradouro por milhares de anos.


Glossário

Bodhi (sânscrito) — Literalmente significa "Despertado". É descrito como o auto-despertar da Natureza Búdica ou Essência de Buda, vislumbre interior do vazio essencial dos mundos.

Bodhichitta (sânscrito) — A Mente Búdica; a mente da iluminação.

Bodhidharma — O primeiro patriarca do budismo Ch'an e o vigésimo oitavo patriarca do budismo Indiano. Ele chegou da Índia na China por volta do sexto século; Ele foi o Patriarca referido no famoso kung-an "Qual era o Significado da vinda do Patriarca do Ocidente".

Bodhisattva (sânscrito) — Literalmente um "ser iluminado"; em geral, é uma pessoa procurando a Essência Búdica, mas procurando-a altruisticamente; se monástico ou laico, um indivíduo procura a iluminação para iluminar outros, e ele ou ela sacrificar-se-ão para salvar outros; é destituído de egoísmo e devotado a ajudar outros. Tendo a Natureza Búdica, todos os seres conscientes são naturalmente bodhisattvas mas requerem desenvolvimento.

Buda Shakyamuni — "O sábio da tribo dos Shakyas"; muni significa um sábio, uma pessoa santa, ou monge, quer dizer que é alguém benevolente, caridoso, bom e compassivo. Ele foi o fundador do budismo e nasceu na Índia há 2.500 anos atrás.

Cinco Dinastias (907-960) - O último Liang, O último Tang, O último Chin, O último Han e O último Chou.

Co-produção condicionada (em sânscrito, Pratitya-samutpada) O ensinamento central de todas as escolas budistas. Ele afirma que todos os fenômenos mentais e físicos constituindo a existência individual são interdependentes e mutuamente condicionados uns aos outros; ao mesmo tempo, isto descreve que os seres sencientes se emaranham no samsara.

Dez direções - Os oito pontos da bússola acrescidos do nadir e do zênite.

Dharma (sânscrito) — O coração da percepção budista da realidade de nossa função dentro de tal realidade, usada em vários significados da lei cósmica subjacente ao nosso mundo; o ensinamento de Buda; a conduta moral e regras éticas; a realidade das questões em geral; coisa; fenômeno; conteúdo mental, objeto do pensamento, idéia — a reflexão de algo na mente humana; termo para os chamados fatores de existência, que é considerado como o alicerce da construção da personalidade empírica e seu mundo.

Kalpa (sânscrito) — Período de tempo de incalculável duração. Um kalpa também se refere a um fabuloso período de tempo e o intervalo entre a criação e a total aniquilação de um mundo ou de um universo.

Karma (sânscrito) — Literalmente significa "feito" ou "ação"; lei universal de causa e efeito. De acordo com o ponto de vista budista: Um ato intencional produz um efeito sob certas circunstâncias; quando o efeito está maduro então ele recai sobre o responsável.

Kung-an (em japonês, koan) — Literalmente "documento público"; originalmente significa que um caso legal constitui um precedente. No Ch'an, um kung-an é uma frase de um sutra ou ensinamento na realização Ch'an, um episódio da vida de um velho mestre, cada um apontando para a natureza da realidade última. O essencial num kung-an é o paradoxo, isto é, aquilo que está ‘além do pensamento', que transcende a lógica ou os conceitos. Uma vez que ele não pode ser resolvido pela razão, ele não é um enigma. Resolver um kung-an requer um salto para outro nível de compreensão.

Mahayana (sânscrito) — "o grande veículo"; a maior seita do budismo que ensina a doutrina da salvação universal através dos esforços dos bodhisattvas. Ela é a forma de budismo que prevalece na China, Coréia, Japão e Tibete, também conhecida como budismo do Norte em oposição ao budismo do Sul do Sri Lanka, Tailândia e Burma.

Não-mente (chinês, wu-hsin; japonês, mu-shin) Uma expressão de desprendimento da mente, um estado de completa naturalidade e liberdade fora do dualístico pensar e sentir.

Nirvana (sânscrito) — O objetivo da prática espiritual em todas as ramificações do budismo. No entendimento dos primórdios do budismo, ele é a saída do ciclo de renascimentos e a entrada em um modo de existência inteiramente diferente. Isto significa liberdade dos efeitos determinantes do karma e é um estado que pode ser desfrutado na presente vida.

Prajna (sânscrito) — Sabedoria; uma noção central do Mahayana se referindo a uma imediata experiência de sabedoria intuitiva que não pode ser comunicada por conceitos ou em termos intelectuais. A realização do Prajna é freqüentemente equiparada com o alcance da iluminação e é um dos objetivos essenciais do estado búdico. 

Samsara (sânscrito) — Literalmente significa "viajando". O ciclo de existências, uma sucessão de renascimentos que um ser segue através de vários modos de existências até que alcance a liberação e atinja o nirvana. O karma do ser é que determina o tipo de renascimento que ele terá.

Sangha (sânscrito) — A comunidade budista; num sentido restrito a Sangha consiste de monges, monjas e noviços que devotam suas vidas às práticas budistas, com o objetivo de alcançar a iluminação por transcender o samsara e realizar o nirvana. Representa um estilo de vida de acordo com os padrões determinados por Buda a si mesmo, como um caminho do meio entre os extremos do ascetismo e da sensualidade. De uma perspectiva mais ampla, a Sangha também inclui os seguidores laicos. A Sangha é uma das Três Jóias.

Shastra (sânscrito) — Comentários ou tratados sobre as escrituras budistas (sutras).

Sutra (sânscrito) — "Linhas" ou o que é traçado junto; as escrituras sagradas do budismo.

Sutra Lótus - O texto básico da Escola T'ien-t'ai, uma das oito escolas do budismo Chinês. Este texto exerce uma profunda influência no desenvolvimento da doutrina budista no Tibet, China e Japão.

Tathagata (sânscrito) — "Ido" assim como "vindo", referindo-se ao fato de que Buda ia e vinha no Caminho da iluminação; um dos dez títulos de Buda usado pelos seus seguidores, e também usado pelo próprio Buda como uma forma de auto-referência.

Terra Pura (chinês, ching-t'u; japonês, jodo) também conhecida como Reino-de-Buda; de acordo com o budismo Mahayana existem incontáveis Budas e incontáveis terras puras. De acordo com a crença popular, estas terras puras são lugares onde, geograficamente, se encontra bem-aventurança; contudo, fundamentalmente, eles se apresentam por aspectos de estado da mente desperta.

Três Jóias (em sânscrito, Triratna) — Os três componentes essenciais do budismo: o Buda, o Dharma e a Sangha; isto é, O Despertado, a Verdade exposta por ele, e os seguidores vivendo de acordo com esta Verdade. As Três Jóias são objetos de veneração. Os budistas buscam refúgio nelas pelo pronunciamento das três fórmulas do refúgio, o que os faz serem reconhecidos como budistas.

Três Mundos (em sânscrito, Triloka) 1) O reino do desejo sensual inclusive da sexualidade e do alimento, envolvendo os seis céus de desejo do mundo humano, e os vários infernos; 2) o reino da forma ou do que é substancial e resistente; situado acima do mundo da luxúria, ele contém corpos, lugares, e fenômenos que são misticamente maravilhosos — uma concepção semi-material; aqui o desejo por sexualidade e por alimento desaparece, mas a capacidade para o deleite continua. Ele tem dezoito céus; 3) o reino sem forma de puro espírito sem corpos, lugares ou coisas para os quais os termos humanos se aplicam; aqui a mente vive em contemplação mística.

Vimalakirti (sânscrito) — Vimalakirti é o personagem principal do Sutra Vimalakirti. Ele é um rico e alto praticante leigo budista cultivado que vive em meio à vida mundana enquanto trilha no Caminho dos bodhisattvas.

Yana (sânscrito) — Um veículo, termo aplicado ao budismo como o significado pelo qual o praticante viaja pelo Caminho para a iluminação. Os diferentes veículos visam a "jornada" espiritual que difere com a atitude básica do praticante e os meios de fazer progresso no caminho. Existem categorias de um, dois, três, quatro e cinco. As divisões mais comuns são dois e três yanas.

Yogachara (sânscrito) — Uma escola budista da tradição Mahayana fundada por Asanga durante o quarto século. A noção central do Yogachara é de que as coisas existem somente como processos do conhecimento, não como "objetos"; qualquer coisa fora do processo do conhecimento não tem realidade.